Dia dos Namorados, liquidez e capitalismo

“Mas ainda há tempo de salvaguardar nossos relacionamentos? Ainda há tempo de solidificar as relações?”


Por Paulo Sergio Gonçalves, Professor de Sociologia e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Estácio

16/06/2022 às 07h00- Atualizada 16/06/2022 às 12h22

Em pleno advento da globalização, da proximidade virtual, da redução das enormes distâncias geográficas, da praticidade, da internet, das rede sociais, passamos por mais um dia dos namorados. É tão interessante que, enquanto as sociedades mudam seus comportamentos acerca de diversos assuntos, ainda continuam tradicionalmente presas a certas datas que foram idealizadas para um contexto totalmente diverso do que vivemos hoje.

O Dia dos Namorados, anteriormente, era visto como o dia de celebrar as relações, mas, atualmente, vemos relações que vão e vem de maneira tão rápida que quase não dá tempo de celebrar. Ao mesmo tempo em que as pessoas querem algum compromisso, não querem mais, porque a vida “prática” e a “busca” pelo “sucesso individual” não permitem que o ser humano se prenda a um relacionamento que possa interferir em sua trajetória.

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A multiplicidade das identidades intitulada como “sujeito pós-moderno” por Stuart Hall vai de encontro ao amor líquido que Zygmunt Bauman previa em 2003, onde falava também sobre a solidão nas grandes cidades e a desconfiança entre as pessoas, tudo isso causado pela falha do Estado em proteger o ser humano contra seus infortúnios individuais.

Ao assumir a responsabilidade de autoproteção, antes delegada ao Estado, o resultado se deu na quebra e no enfraquecimento dos vínculos humanos, gerando a fluidez e a liquidez nos relacionamentos e a inconstância nos compromissos.

Mas ainda há tempo de salvaguardar nossos relacionamentos? Ainda há tempo de solidificar as relações? Creio que sim. Basta deixarmos de substituir a sociedade do espetáculo, apontada por Guy Debord, pela vida “real”, ou seja, valorizarmos mais as pessoas do que as coisas. Assim, poderemos talvez entender por que as consciências coletivas, formadas pelo consenso das consciências individuais (Durkheim), insistem, mesmo no meio de tanta liquidez, conclamar o Dia dos Namorados.

Será que tudo isso não se revela na sede de relacionamentos mais duradouros, ou simplesmente é saudade? Interessante se pensar por que no meio de tanta obsolescência programada, em que se prega a todo canto a importância do sucesso individual, o Dia dos Namorados, que seria o dia daqueles que vivem e sonham em crescer juntos, ainda esteja vivo nas nossas sociedades. Uma coisa pode ser dita, ou todo esse paradoxo já se explica na dita saudade, ou tudo isso pode ser ainda pior, ou seja, apenas, mais um alvo do desenfreado capitalismo.

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