Corpo Coletivo estreia “EspaçoNave” neste domingo

O espetáculo é o primeiro encontro da trupe teatral com seu público depois de dois anos


Por Júlio Black

27/05/2022 às 07h00

Novo projeto do Corpo Coletivo tem apresentação fora dos palcos e deve refletir as experimentações do período de pandemia (Foto: Marcella Calixto/Divulgação)

Mais de dois anos depois de sua última apresentação com plateia, o Corpo Coletivo volta a encontrar seu público, neste domingo (29), às 20h30, com a estreia do espetáculo “EspaçoNave”. A volta aos palcos, porém, não será num teatro: as apresentações terão como “palco” o estacionamento do Moinho Zona Norte, e o cenário se resume a apenas um carro. Com apoio da Lei Murilo Mendes, a peça também será encenada na próxima segunda-feira (30) e nos dias 4, 5 e de 8 a 13 de junho, sempre às 20h30.

Assim como tantos projetos do Corpo Coletivo, “EspaçoNave” busca valorizar a pesquisa e o fazer coletivo de acordo com o perfil do grupo, marcado por projetos experimentais e autorais, tendo como uma de suas metas encontrar alternativas para o fazer teatral. Por isso, o projeto conta com as colaborações do diretor Amir Haddad e da atriz e dançarina Dorothy Lenner, além da atriz, diretora e dramaturga Suzana Nascimento, que divide a direção e dramaturgia com Hussan Fadel, responsável pela concepção do projeto. O elenco terá os nomes de Gabriel Bittencourt, Pri Helena, a própria Suzana Nascimento e Vinícius Cristóvão.

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Em busca do extraordinário

“EspaçoNave” acompanha um grupo de desconhecidos que parte rumo a uma expedição com o objetivo de encontrar os extraterrestres. Eles desejam encontrar o extraordinário que já não veem em suas vidas, um mundo novo; porém, a espera acaba por se tornar um momento de descobertas, e deixa entre os personagens uma pergunta: quem teria a vida transformada se você desaparecesse?

Para o grupo, a peça busca ressignificar a relação com o tempo e o espaço e provocar a plateia a se tornar coautora da experiência estética compartilhada, sendo um convite para novas memórias e capítulos de existência que nascerão do encontro mediado pelo teatro.

“A ideia da peça surgiu devido ao momento que o Corpo Coletivo estava vivendo. Sentíamos a necessidade de dar um passo além, de expandir horizontes e alçar novos voos, conhecer novos mundos”, explica Hussan Fadel. “A proposta também está intimamente ligada à radicalização da minha busca pelo uso de espaços não convencionais de encenação, assim como por entender o que seria um teatro provocativo.”

Sobre a concepção de cenário e local de apresentação, Fadel diz que os trabalhos do Corpo Coletivo são objeto de estudo de seu doutorado em artes cênicas na Unirio, onde pesquisa processos e métodos de criação cênica – oportunidade para mergulhar na linguagem contemporânea. ‘EspaçoNave’ é um movimento que faço atrás de encontrar o que chamo de teatro provocativo, algo que seja provocante, que instigue a plateia a estar junto, de corpo e atenção presente, com a sua perspectiva ativa, usando a peça para sentir coisas, se emocionar, alargar mundos, expandir horizontes, muito mais do que passar mensagens prontas”, define. “Com isso, o uso de espaços potentes para a encenação, que não o teatro convencional, surge como forma de convidar a atenção do público para a capacidade do teatro modificar a realidade. É uma situação liminar, onde o corpo de quem performa modifica o tempo e o espaço. Além disso, tem a ver com sair de casa para uma experiência que não se sabe bem como vai ser, o incerto, a aventura de quem se dispõe a explorar.”

Convidada para o projeto, Suzana Nascimento acredita que a dramaturgia de “EspaçoNave” é fruto do encontro de poéticas diferentes, mas com pontos em comum. “Somamos uma linguagem mais provocativa e desconstruída a uma composição que traz ação e faz avançar a história, aprofundando as relações entre os personagens”, pontua. “Além disso, diversas passagens são construções a partir de materiais trazidos pelo elenco, por meio de provocações e exercícios propostos. Acredito que aproveitar a potência de cada artista criador nutriu e fortaleceu a dramaturgia, imprimindo uma especificidade desse encontro no texto.”

Como exemplo, ela conta que uma primeira ideia trazida por Hussan Fadel foi revirada “diversas vezes” até desconstruir a estrutura para que novas possibilidades fossem criadas. “Dentro da nova estrutura, a cada nova cena que um de nós dois escrevia, o outro lia, fazia considerações, propunha cortes ou alterações. Penso que esse entrelaçamento estético resultou em uma polifonia interessante, uma dramaturgia com cores e dinâmicas diversas e ricas.”

Em lugares não convencionais

Sobre as colaborações de Amir Haddad e Dorothy Lenner, Vinícius Cristóvão lembra que uma das propostas do projeto era que pudessem ampliar o conhecimento e prática do teatro bebendo em outras fontes, a fim de afetar a criação e o modo como estavam trilhando seus caminhos. “Seria como furar nossa bolha estética e ir além, nos desafiando. Por isso, convidamos dois grandes mestres do teatro para participar da jornada de criação do espetáculo. Foram três encontros presenciais com cada um deles. O primeiro trabalho foi com a Dorothy; fomos até Tiradentes, onde ela reside, e fizemos uma imersão de final de semana, no qual ela nos conduziu, juntamente com a atriz e performer Emilie Sugai, a um trabalho muito sensível e potente com máscaras. Dorothy se tornou nossa musa inspiradora. Seu olhar tranquilo, sorriso calmo e gestos acolhedores foram convite à escuta, para compartilhar lembranças e memórias.”

Já os encontros com Amir Haddad foram mais espaçados, pois o grupo queria que acompanhasse o desenrolar da criação. “Ele propôs exercícios para nosso grupo utilizando a metodologia que conquistou como fundador e diretor do seu grupo Tá Na Rua. Nossos encontros foram na sede do grupo, no Rio de Janeiro, e, como a estética decidida por nós era a de levar o espetáculo para lugares não convencionais, o Amir, mestre das ruas, nos ajudou a nos preparar para lidar com as questões que perpassam esse tipo de criação. Ter contato com esses mestres foi uma grata possibilidade de aguçar o olhar criativo, e também entender mais profundamente a nossa própria linguagem de trabalho.”

(Foto: Marcella Calixto/Divulgação)

Criação em tempos de pandemia

Como os encontros aconteceram durante a pandemia, foi preciso ter cuidado redobrado por conta das idades de Dorothy Lenner (89 anos) e de Amir Haddad (84), sem esquecer dos próprios integrantes do Corpo Coletivo, que mantiveram os cuidados com o distanciamento e o uso em tempo integral das máscaras.

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Quanto à pandemia, aliás, Hussan Fadel comentou o quanto ela afetou o trabalho do Corpo Coletivo nesse período. “A pandemia prejudicou bastante o trabalho, distendeu o grupo, afetou os sonhos de quem estava envolvido. O elenco mudou. Outros projetos, como ‘Viver’, se tornaram prioritários. Tivemos que tomar fôlego para retornar com a movimentação”, afirma. “O isolamento só favoreceu o processo de estudo, momento para intensa pesquisa em fontes bibliográficas. O desejo pelo outro, teve isso também: a pandemia alimentou, e muito, esse desejo por alteridade… as dificuldades de se relacionar, o reencontro… acho que tem a ver com processos antropofágicos que gosto de me jogar.”

Nesse período, porém, o grupo não ficou parado, e realizou diversos formatos possíveis no contexto pandêmico, principalmente no que diz respeito ao audiovisual, e que a atriz Pri Helena aponta que o público poderá observar a influência dessa nova forma de fazer teatro em “EspaçoNave”.

“O mergulho pelo universo digital e suas possibilidades tecnológicas nos levou ao teatro virtual: um campo muito novo pra gente, e sobre o qual nos debruçamos. Através dessas pesquisas, exploramos o entroncamento entre o teatro e o audiovisual e toda singularidade do quadro que se cria através do olhar de uma câmera. Com base nesses mergulhos e também na pesquisa do Corpo Coletivo sobre espaços alternativos de encenação, levamos ‘EspaçoNave’ a um estacionamento e apostamos na proximidade entre atores/espectadores”, argumenta. “O público vai viver uma experiência teatral que abusa de construções imagéticas, que bebe de muitas referências descobertas na pandemia e que se relacionam com esses meios digitais. Construímos cenas que trazem a realidade dos reality shows e das lives, por exemplo. ‘EspaçoNave’ é, sem dúvidas, uma experiência teatral ousada e potente. Só mesmo assistindo para entender!”

Por fim, Pri Helena comentou a expectativa do Corpo Coletivo para reencontrar o público após os anos de distanciamento. “Estamos super felizes e ansiosos para esse reencontro. Tem uma coisa mágica que só o teatro presencial dá pra gente. É uma troca de energia! A gente esperou muito tempo por isso, e esse retorno está sendo desafiador e também muito esperado. Vai ser uma troca linda e uma experiência inesquecível. Certeza!”

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