Uma história sobre o Haiti que o mundo teima em esquecer

“Clara da Luz do Mar”, de Edwidge Dandicat, conta várias histórias interligadas que ajudam a entender a realidade do país caribenho


Por Júlio Black

08/05/2022 às 07h00

Escritora com quase 30 anos de carreira, Edwidge Dandicat tem um de seus livros mais conhecidos lançados no Brasil (Foto: Reprodução)

Com uma triste história ligada a golpes de estado, ditaduras, pobreza e desastres naturais, o Haiti _ uma das nações mais pobres do planeta _ não costuma ser lembrado pelos talentos literários nascidos em seu país. Pois o público brasileiro pode ter o primeiro contato com o trabalho de uma de suas mais destacadas romancistas, Edwidge Danticat, com o lançamento de “Clara da Luz do Mar” pela Todavia Livros. Publicado no exterior pela primeira vez, em 2013, o livro foi finalista no ano seguinte da Medalha Andrew Carnegie para Excelência na Ficção.

Vencedora de prêmios como o National Book Critics Circle Awards, em 2019, pelo livro “Everything inside”, e do American Book Award, de 1999, por “The Farming of Bones”, Danticat cruza os caminhos de vários personagens para levar até o leitor um retrato o mais fiel possível da miséria, preconceitos e desigualdades sociais de sua terra natal, marcada ainda pela violência, corrupção, lendas, crenças religiosas e a devastação do meio ambiente fruto de um contexto de extrema pobreza.

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A história de “Clara da Luz do Mar” se passa na comunidade de Ville Rose, em Cité Pendue, e tem como protagonista a personagem que dá título ao livro. No dia em que completa sete anos de idade, Claire Limyè Lanmè Faustin acompanha o acidente que matou mais um pescador da localidade. Ela sabe, também, que, neste dia, seu pai, o também pescador Nozias, tentará entregá-la para ser criada por Gaëlle Cadet Lavaud, viúva proprietária de uma loja de tecidos e que perdeu a filha pequena em um acidente, a fim de que ela possa ter uma vida melhor. Como a mãe de Claire morreu no parto, Nozias a deixou com parentes até os três anos e depois passou a cuidar dela, mas sempre tentando dá-la para Gaëlle com um único pedido: não mudar o nome da filha.

Quando a comerciante enfim aceita o pedido do pescador, Claire resolve fugir, e seu desaparecimento é o ponto de partida para Edwidge Dandicat contar os eventos que levaram até aquele momento. Além de Claire, Nozias e Gaëlle, conhecemos vários personagens cujos destinos estão interligados de alguma forma. Entre eles, Bernard, que redigia as notícias para a rádio local; Laurent, marido de Gaëlle e patrocinador apaixonado da emissora; Louise George, que apresentava o programa de maior audiência; Max Pai, dono da principal escola da localidade; e Max Filho, que também tinha um programa na rádio local.

Com uma escrita envolvente e fluida, Edwidge Dandicat apresenta personagens com diversas questões que ajudam a entender o contexto atual do Haiti, um país de desigualdades brutais e poucas chances de fuga da miséria, em que boa parte da população mais abastada se muda para os Estados Unidos em busca de segurança, conforto e educação de qualidade. Temas como família, sexualidade, pobreza, violência, política, meio ambiente, preconceito, destino e direitos humanos são abordados a partir dos problemas e dramas encarados pelos personagens, que em vários momentos têm de lidar com as consequências de seus atos. A habilidade de Dandicat em costurar essas histórias lembra os igualmente recomendáveis “Trilha sonora para o fim dos tempos”, de Anthony Marra, e “Entre assassinatos”, de Aravind Adiga.

Se o mundo costuma olhar para o Haiti apenas quando o país é assolado por tragédias, como no terremoto de 2010, que deixou mais de 300 mil mortos, “Clara da Luz do Mar” é uma excepcional oportunidade de se conhecer um pouco mais, por meio da ficção, da dura realidade de uma nação que costuma ser esquecida pelo mundo na maior parte de sua existência.

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