Dauá Puri marca reabertura da Sala de Giz para apresentações

Artista da etnia puri faz pré-lançamento do álbum “Uhtl’ana”; espaço cultural prepara vários eventos para o decorrer do ano


Por Júlio Black

08/04/2022 às 07h00

dauá puri
Dauá Puri e sua viola de taquara, construída por ele mesmo como resgate da tradição puri (Foto: Divulgação)

Depois de dois anos fechado, o espaço cultural Sala de Giz volta a receber o público neste sábado, às 19h, com o show do escritor, poeta e compositor Dauá Puri, que realiza o show de pré-lançamento de seu álbum “Uhtl’ana”, todo composto por letras na língua originária da etnia puri. O valor do ingresso é por meio de contribuição voluntária, e as reservas podem ser feitas pelo perfil @saladegiz no Instagram. O retorno do Sala de Giz terá ainda venda de produtos de artesanato e alimentação orgânica do Assentamento Denis Gonçalves, de Goianá.
Para a apresentação, Dauá Puri terá o acompanhamento do coletivo Nhama Arena, surgido de encontros com o artista e que tem por objetivo investigar a ancestralidade do território de Juiz de Fora, que foi habitado pelo povo puri. Termo originário da etnia, “Nhama Arena” significa “rio escuro” – que é o significado encontrado na palavra tupi-guarani “Paraibuna”, nome do rio que atravessa a cidade. O coletivo é formado por nomes locais das artes cênicas, como Caroline Gerhein, Felipe Moratori, Mayara Alvim, Paolla Vilela e Way Puri.

Inspirações ancestrais e da natureza

Nascido no estado do Rio de Janeiro, Dauá Puri também é pesquisador da história e da língua puri, etnia originária da Região Sudeste, tendo trabalhado nas rádios Bandeirantes, Guanabara e Manchete, e é o responsável pelo primeiro livro bilíngue puri-português, “Alkeh poteh – Tempo de escuta”.
Segundo o artista, o trabalho é pioneiro na etnomúsica puri, que compreende a música como estudo e resgate da cultura dessa etnia. O álbum tem instrumentação e produção do próprio Dauá, que apresenta em “Uhtl’ana” a viola de taquara, instrumento artesanal ancestral que ele mesmo confeccionou. A gravação foi feita em 2021 por Leonardo Gonçalves Espírito Santo (que participou tocando contrabaixo, violão, e participou de alguns arranjos) no estúdio Casages, em Paraíba do Sul (RJ).
“As composições são todas minhas e foram trazidas pelas energias da natureza e energias puri, e a confecção de instrumentos foi um trabalho de pesquisa e estudo que realizei durante a pandemia”, explica. “Os temas tratados nas músicas são a natureza, a água, o rio, sol, terra, ar. É um trabalho voltado para o grande brado que precisamos dar com relação à degradação do ambiente da nossa Terra.”

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Resgate da tradição puri

Dauá Puri ressalta que seu álbum tem apenas composições próprias, mas que algumas canções das antigas gerações sobreviveram graças a registros feitos por viajantes. “São músicas que apresento nos cantos de roda e nas apresentações de contação de histórias. São canções como ‘Ho bugure’, ‘Han jo há’, ‘Bora tou he’, que chegaram até nós e que conseguimos adaptar e musicar para apresentá-las”, diz, acrescentando que existe, hoje, um processo de resgate e ressurgimento da cultura e tradições da etnia puri.
“Estamos trazendo esse trabalho com a música, o canto, com a nossa vibração, leitura de textos e a literatura. Estou produzindo livros e me colocando na difusão de nossa língua, que faz parte do tronco linguístico Macro-jê. É uma forma de dizer que estamos vivos, que nossa cultura está viva. É através da etnomúsica que vocês terão a oportunidade de conhecer um pouco de uma das etnias da nossa região e do Sudeste. A coisa mais gratificante é quando você chega na escola e as crianças estão cantando (uma das músicas).”
Dauá Puri também comentou sobre o quanto esse trabalho pode inspirar os jovens _ e não apenas de sua etnia – para manter vivas as tradições e cultura puri. “Meu trabalho tem sido nesse sentido de animar, de ir às universidades e falar da importância de se criar grupos de estudos nessas instituições e nos núcleos estudantis, falar mais da cultura indígena. E também a criar projetos que ajudem a implementar a Lei 11.645, que institui a produção de material literário e educativo ligados à cultura indígena”, afirma. “Também faço parte do Conselho Estadual dos Direitos Índígenas do Rio de Janeiro, representando o movimento de ressurgência puri.”

A volta, dois anos depois

Um dos responsáveis pelo Sala de Giz, Felipe Moratoria falou sobre o sentimento de reabrir a casa, que fechou por causa da pandemia logo depois de se mudar para um novo endereço, na Rua Silva Jardim. “Retornar é muito especial, tendo em vista que quase tivemos que entregar o espaço. Desde novembro do ano passado a escola de teatro voltou ao funcionamento com uma ótima adesão, o que nos permitiu seguir. Agora, finalmente a gente está realizando um evento aberto ao público. O momento é mais especial ainda por termos o Dauá como padrinho desse momento. É uma forma simbólica da Sala de Giz se posicionar aliada à pauta indígena e agroecológica, além de ter um compromisso também artístico com as narrativas ancestrais e não-oficiais do nosso território.”
Quanto aos projetos futuros, ele assegura que são muitos. “Previsto para o aniversário da cidade, a companhia Sala de Giz estreia o trabalho ‘MinasiImpura’. Estamos também no processo de criação do espetáculo ‘A lucidez dos peixes’, com a diretora convidada Rita Clemente. Em novembro, realizaremos o Terceiro Festival Sala de Giz de Teatro, com artistas de todo o Brasil. Em breve, o nosso espaço abrirá pautas para ocupação com shows, espetáculos e outras atividades.”

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