O Tapa

O golpe inesperado no palco do Oscar provocou comentários nas ruas e nas redes, dividindo as opiniões sobre qual dos dois atores estaria errado. Quando a violência estava clara tanto na ação, quanto na reação, o questionamento recai sobre o bom senso, que anda em falta no uso da palavra, dentro e fora da premiação


Por Renan Ribeiro

01/04/2022 às 07h00

A semana começou com um tapa no rosto. Quem dera fosse apenas força de expressão, mas o golpe foi contundente, sonoro, viralizou em todo mundo, no palco do Oscar, um dos eventos de maior audiência e repercussão do mundo.

Há quem vibre com os famosos e icônicos tapas da ficção, como se projetassem na cena, ou na personagem, a raiva que carrega em si. A violência, que provoca esse tipo de reação, no entanto, é apenas um dos pontos que poderia gerar uma discussão interessante sobre o caso. Muitas pessoas fizeram questão de dar suas opiniões sobre o gesto. Como em muitos outros conflitos, algumas pessoas se engajaram em condenar o tapa, defendendo a liberdade de expressão, enquanto outros defendiam a legitimidade da defesa que a bofetada representa.

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Will Smith, vencedor da categoria de melhor ator, pelo trabalho no filme “King Richard – Criando Campeãs”, estava ao lado de sua esposa, Jada Pinkett Smith, quando o comediante Chris Rock foi apresentar o prêmio de melhor documentário. Ele fez algumas piadas com outros convidados e se voltou para Jada. Rock relacionou a atriz à personagem Tenente Jordan, interpretada por Demi Moore no longa de 1997, pelo fato de Jada, assim como Demi, estar com a cabeça raspada. A fala de Chris Rock foi seguida de uma expressão de desaprovação de Jada e de parte do público presente. A imagem que se seguiu foi repetida à exaustão: o tapa de Smith e o comando para Rock, para que ele parasse de falar o nome da atriz.

A alopecia é a condição que fez os cabelos de Jada caírem. A atriz já falou sobre a situação em entrevistas e como o problema a afeta. A reprovação estampada no semblante de Jada, sem ser associado a qualquer palavra, deixou claro o tamanho do incômodo que a fala de Chris Rock provocou. Antes de tudo, essa é a violência que mais me chamou a atenção. Uma mulher atacada em algo que causa dor, algo que, repito, foi reiterado em ocasiões anteriores publicamente.

Rock sabia que sua ‘piada’ atingiria a autoestima de Jada e, mesmo assim, não deixou de fazê-la. Podendo escolher brincar com qualquer outra coisa, inclusive, falar sobre algo relacionado aos filmes que iria apresentar, escolheu ferir, onde ele sabia que causaria dor. Não vou defender ou entrar no mérito da violência na reação, dada pela mão e pelas palavras de Will. Eu queria ter ouvido o que Jada diria, se pudesse e quisesse. Eu gostaria de acolher os sentimentos dela, as palavras dela, como ela gostaria de se expressar, oferecer apoio, seguir o que quer que fosse a vontade dela. Ela também não tem a menor obrigação de dizer ou reagir publicamente a nada.

Quantas vezes, especialmente quando estamos em grupo, nós ouvimos falas desagradáveis e constrangedoras direcionadas a um dos presentes, para que alguém possa se sobressair, demonstrar superioridade, com o objetivo de arrancar risadas ou até mesmo para que as pessoas possam notar a nossa presença, para que obtenhamos uma atenção que não vem para nós por bons motivos. Palavras violentas ferem tanto quanto tapas, e nós já devíamos ter aprendido essa lição.

Liberdade de expressão não deve ser confundida com liberdade de agressão. Mesmo que não tenha cometido um crime diretamente, Rock assumiu a intenção de agredir. Espero que essa história toda faça com que a gente pense mais antes de falar. Que nos ajude a pensar melhor na escolha das nossas palavras e também que nos faça perceber que prejudicar outras pessoas, ainda que seja com uma ‘piada’, não é, definitivamente, um bom caminho.

As palavras, uma vez ditas, não podem ser desditas. Quem as ouviu pode lembrar e sentir os efeitos causados por elas por muito tempo, mesmo que sejam seguidas de um pedido sincero de perdão. É tempo de termos uma responsabilidade maior com o que dizemos e fazemos. No caso de Rock, a reação foi um tapa no rosto, mas na vida fora da premiação, a falta de cuidado com as palavras e até mesmo o desrespeito pode resultar em coisas muito mais graves. Depois do ocorrido, todos ficaram sabendo sobre o famigerado tapa, por outro lado, a conquista de Will, que levou sua primeira estatueta dourada para casa não teve o merecido destaque.

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