Gerações, falta de dinheiro e feminismo em ‘As maravilhas’

Primeiro romance de Elena Medel mostra as dificuldades de três gerações de mulheres espanholas, que vão das faltas de opções ao machismo


Por Júlio Black

18/03/2022 às 09h51

Encontrar exemplos sobre as inúmeras dificuldades que as mulheres enfrentam na sociedade não é difícil, apesar dos avanços nas últimas décadas. Eles podem estar em nossas casas, na família, vizinhos, e se espalham por todo o país. E não é preciso pensar muito para saber que se trata de uma questão que atinge o mundo todo, em maior ou menor grau dependendo da cultura, costumes ou religiões majoritárias de cada nação. “As maravilhas” (Editora Todavia, 194 páginas), da espanhola Elena Medel, venceu o Prêmio Francisco Umbral de Livro do Ano em 2020 contando algumas dessas histórias.
O romance de estreia de Medel – até então mais conhecida pelos livros de poesia e ensaios – atravessa três gerações de mulheres espanholas por quase cinco décadas, entre 1969 e 2018. Dessas gerações, porém, acompanhamos as histórias de duas personagens: a mais velha é María, que precisa deixar sua terra natal para trabalhar como doméstica em Madri após ter uma filha com um homem cujo nome não é revelado, e que é deixada aos cuidados de seus pais e irmãos; a outra protagonista é Alicia, sua neta, que também foi para a capital devido a uma tragédia que acabou, ainda na adolescência, com suas perspectivas de futuro.
Entre as duas, temos uma terceira personagem: Carmen, filha de María e mãe de Alicia, que não tem voz na história, mas sua presencia/ausência é sempre lembrada pelas outras duas personagens, que precisam lidar com suas próprias escolhas e a relação difícil – ou a falta dela – com aquela que é ao mesmo tempo mãe e filha.

Lançado em 2020 na Espanha, “As maravilhas” chegou ao Brasil em fevereiro, publicado pela Todavia (Foto: Divulgação)

“As maravilhas”, porém, não é apenas um livro sobre como algumas escolhas definiram os rumos dessas três gerações. A história pensada por Elena Mendel é também sobre o feminismo e como o dinheiro – e a falta dele – influenciou e segue influenciando as vidas dessas mulheres. É por causa do dinheiro que María precisa deixar a filha com a família e manter distância, com o passar das décadas, tanto da filha quanto das netas, cujos rostos sequer conhece. É o mesmo dinheiro que faz com que ela não possa participar de manifestações políticas e/ou feministas, e é também o dinheiro que dificulta à personagem dizer “não” às propostas de Pedro, com quem tem um relacionamento de mais de 20 anos e que ela não sabe dizer se é parceiro, namorado ou companheiro.
No caso de Alicia, o dinheiro que havia na infância dava a ela mais segurança para ser cruel com as outras pessoas, e manter distância delas. Quando uma tragédia acaba com o conforto, as regalias e as perspectivas de um futuro e de estudos e bons empregos, “As maravilhas” mostra como a falta de dinheiro impacta sua vida de várias formas, seja no casamento conveniente e insosso com Nino ou os empregos de salários irrisórios que não permitem luxos ou pensar nas causas feministas.
“As maravilhas” não é um livro linear em seu desenvolvimento, indo e voltando no tempo para ajudar o público a entender as motivações, dramas, escolhas – e as faltas delas – e suas consequências para as personagens. Mais do que mostrar os conflitos entre gerações – até porque as personagens pouco se relacionam -, o livro de Elena Mendel usa de uma narrativa envolvente que nos ajuda a entender as dificuldades enfrentadas pelas mulheres espanholas nas últimas décadas para estarem em posição de igualdade social, política, sexual e econômica em relação aos homens.

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