Sentimento de posse
Os autores de feminicídio, em boa parte dos casos, não aceitam o fim da relação, considerando a mulher um produto que não pode sair de seu controle
As celebrações do Dia Internacional da Mulher, que se estendem por todo o mês com seminários e congressos, para discutir sua posição na sociedade contemporânea, têm encontrado respostas positivas ante políticas públicas que têm sido apresentadas para ampliar a representação feminina nos diversos fóruns das cidades, mas nem assim há razões para arrefecer no enfrentamento a um dos flagelos que marca, sobretudo, as relações interpessoais. O número de feminicídios, a despeito de todas as discussões e do incremento de novas leis, continua aumentando.
Em Juiz de Fora, em menos de 72 horas, duas mulheres foram mortas: uma, pelo parceiro num motel, e outra, numa loja na região central da cidade. No primeiro caso, o autor do crime também atentou contra a própria vida e morreu. No segundo caso, as investigações continuam para se desvendarem as causas e encontrar o autor.
As cenas de violência, porém, continuam frequentes no noticiário, especialmente nas redes sociais, explicitando o perverso comportamento de posse nas relações. Na maioria das vezes, o crime é motivado pelo inconformismo da separação. Para aguçar o problema, tais crimes não têm escala social, ocorrendo em todas as faixas – desde as mais carentes até o chamado andar de cima.
O feminicídio é a última escala da violência contra a mulher. O número de agressões ainda é subnotificado por diversas razões. A mais recorrente é a falta de condições para se desfazer a relação e tocar a vida. Muitas dessas vítimas não têm para onde ir ou a quem recorrer, sobretudo quando têm filhos. Outras ainda se sentem desencorajadas a denunciar os autores.
A legislação avançou. Os condomínios, por exemplo, são agora obrigados a denunciar casos de violência, o que antes era um tabu. Como também era tacitamente defeso o silêncio comunitário, isto é, seguia-se a máxima de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Mudou. É necessário denunciar, pois muitas dessas vítimas se abrigam no silêncio que compromete sua saúde e suas vidas. A omissão coletiva teve forte influência nesse cenário de medo entre paredes.
Para reverter esse quadro, ainda há um longo caminho, que passa, necessariamente, pelo aumento da representação feminina nas instâncias de poder e na política. A legislação ainda precisa avançar para garantir uma paridade nas casas legislativas. Todas as tentativas feitas até agora, como estabelecimento de uma cota mínima de 30% das cadeiras, ainda encontram resistência.