Esporte ou polícia?


Por Bruno Kaehler

09/03/2022 às 09h03

Ademar e Marinete temiam, a cada jogo do Cruzeiro, uma perda muito maior que a de 90 minutos de uma partida de futebol. Mas não sabiam que o domingo (6) seria o dia derradeiro. Enquanto milhares de apaixonados se dirigiam ao Mineirão entusiasmados com mais um clássico estadual, o filho da dupla, Rodrigo, levava uma bala em confronto com atleticanos. Não resistiu e deixou os pais, um filho de 5 anos, mais familiares e amigos.

Danilo Fernandes se concentrava para mais uma partida com a camisa do Bahia, diante do Sampaio Corrêa, no último dia 24. Ele não podia imaginar, contudo, que deixaria o ônibus rumo ao atendimento médico em hospital, após o veículo que transportava os jogadores ser atingido por um artefato explosivo em Salvador. O goleiro foi um dos mais feridos, com estilhaços causando cortes em seu rosto, próximos à vista. Nesta segunda (7), aliás, Danilo voltou aos treinamentos, três dias após passar por um processo cirúrgico no olho.

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Poderia me estender facilmente só pelo noticiário dos últimos dias. A invasão dos torcedores do Paraná no gramado após mais um rebaixamento do clube tricolor; o adiamento do Gre-Nal, que será disputado hoje, pelo Campeonato Gaúcho, após ataque de torcedores colorados ao ônibus gremista no caminho do estádio com pedras que quebraram vidros e acertaram jogadores; a fuga do juiz-forano Guilherme Smith da Ucrânia, com os conflitos se aproximando de onde morava.

Gostaria muito de falar sobre futebol. Da vitória do Botafogo sobre o Voltaço no Carioca, do organizado Athletic, surpresa no Campeonato Mineiro, do ruim Clássico dos Milhões e até mesmo de Abel Braga mordendo minha língua com 11 vitórias seguidas na temporada, número que mascara muitos defeitos, mesmo na boa fase de resultados.

Mas não dá. Sou inimigo feroz da banalização de notícias como estas. Cada perda deve ser profundamente sentida. Imagine se é com algum familiar meu, seu. Tem sido difícil. O esporte virou polícia nas últimas semanas. Estamos, ainda, em uma pandemia, e os óbitos parecem pouco importar. O que vale são os números agregados às cifras. O resultado final dos 90 minutos. O próprio umbigo.

Àqueles que se comovem, se solidarizam com cada Ademar e Marinete, estamos juntos. Nada como o poder transformador do esporte ou do amor ao próximo.

 

 

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