‘Matrix resurrections’: sem expectativas, (quase) sem decepções

Por Júlio Black

09/02/2022 às 07h00 - Atualizada 08/02/2022 às 14h24

 

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Oi, gente.

Comecemos pelo clichê: o lançamento de “Matrix”, em 1999, foi um marco na história do cinema, revolucionou a sétima arte, provocou inúmeras discussões filosóficas, misturou várias referências culturais, antecipou questões que fazem parte do nosso cotidiano, colocou óculos escuros e roupas de couro e látex na moda, e, principalmente, fez do recurso do bullet time um dos efeitos visuais mais impressionantes das últimas décadas. E ainda tinha kung fu!

Com um final em aberto perfeito, não precisava de continuação, mas aí a máquina de moer boas ideias de Hollywood gerou os decepcionantes “Reloaded”, “Revolutions”. Parte da magia se perdeu em pirotecnias visuais, desenvolvimento insatisfatório e um final bem mais ou menos. As irmãs Lana e Lilly Wachowski criaram uma obra genial, mas que teve a força de seu impacto diluída por causa da ganância da indústria do cinema.

É assim mesmo, como diria Kurt Vonnegut.

Daí que chegamos a “Matrix resurrections”, que estreou nos cinemas em dezembro de 2021 e chegou ao streaming (HBO Max) em 28 de janeiro. Desde o anúncio da continuação, anos atrás, uma pergunta persistiu: “será que é disso que eu necessito?”. Podemos dizer tanto sim quanto não: “não” porque as chances de piorar o que já havia terminado mal eram grandes; e “sim” porque sei lá, né, vai que consertam o que ficou desconjuntado.

E foi sem maiores expectativas que chamei A Leitora Mais Crítica da Coluna para assistimos a “Matrix resurrections” no último final de semana. Filme assistido, fica a sensação de que não ter expectativas ajuda a diminuir qualquer chance de decepção. O longa é superior a “Reloaded” e “Revolutions”, mas nem chega perto da produção que criou esse universo. É mediano, com alguns bons momentos que se perdem com o desenrolar da trama.

E assim por diante, como diria Kurt Vonnegut.

O grande problema é a sensação de termos dois longas em um mesmo filme, sendo que eles mal dialogam entre si. A primeira parte, por assim dizer, é bem superior à segunda. Lana Wachowski, que assumiu sozinha a direção, apresenta uma solução interessante e irônica para que Thomas Anderson (Keanu Reeves) não lembre que ele foi o salvador da humanidade, com o personagem acreditando que as lembranças da sua “vida” anterior são fruto de sua imaginação e que ele usa para criar um jogo eletrônico chamado… “Matrix” (!).

“Matrix resurrections” ainda propõe, em seus melhores momentos, uma reflexão a respeito do que é realidade e ficção, o conforto da alienação, e também metalinguagem, metaficção, autorreferências espertas e ironia em relação à ganância de Hollywood (além de ser uma forma de lidar com o luto pela morte dos pais, Lana topou encarar o projeto porque a Warner Bros. produziria o filme com ou sem a participação das irmãs, e ela usa o próprio filme para dar uma estocada no estúdio).

Quanto aos problemas, o primeiro – porém menor – deles é que não precisávamos de uma continuação, e motivos para deixar quieto não faltam. “Matrix” é produto de uma geração que já passou e não tem o mesmo apelo para uma turma acostumada a “Black Mirror”. E assim por diante. A história não acrescenta muita coisa à mitologia, é evidente que Lana Wachowski fez o que podia apenas para que a Warner Bros. não colocasse a franquia em outras mãos. Mesmo que as discussões propostas pelo filme tenham sido atualizadas, não há nada de revolucionário ou realmente inédito em “Matrix resurrections”.

É assim mesmo.

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Outro problema da segunda “metade” do filme é o roteiro. De repente, não mais que de repente, o filme entra numa correria alucinada de eventos que deixa o espectador perdido, embarca numa onda de diálogos expositivos tão confusos que deixariam Christopher Nolan orgulhoso. É difícil entender o plano das máquinas e as motivações do Agente Smith (Jonathan Groff) ou do Analista (Neil Patrick Harris). Outro problema de “Matrix resurrections” é aproveitar mal alguns personagens tão bons. O Agente Smith aparece, desaparece, e depois retorna num clássico exemplo de deus ex-machina, Bugs (Jessica Henwik) começa bem e perde espaço no decorrer da história, e Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II) é um personagem importantíssimo na história, mas que aos poucos vai se apagando, apagando, apagando, até quase virar um figurante que troca tiros com os vilões no fundo da cena.

E assim por diante.

Assim como o longa original, o novo “Matrix” tem um final que possibilita expandir o universo da série. Porém, o fracasso de bilheteria (US$ 153 milhões) não permite aos fãs criar maiores esperanças de uma continuação.

É assim mesmo.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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