Medidas paralelas

Programas de grande alcance em áreas conflagradas só dão certo se forem acompanhados de medidas complementares para atender aos anseios da comunidade


Por Tribuna

20/01/2022 às 07h00

Os primeiros conglomerados do programa “Minha casa, minha vida” tiveram que passar por correção ante os problemas que apresentaram. Com um número expressivo de unidades – entre 800 e mil residências – e sem uma seleção efetiva, acabaram se tornando, também, grandes problemas, pois colocavam num mesmo espaço pessoas de origem distinta e sem uma infraestrutura adequada para facilitar a aproximação. O resultado foram conflitos de toda monta, alguns deles eivados de violência extrema, ampliados, também, pela ação de grupos que se apresentavam como donos das regiões, exigindo contrapartida dos moradores ou tirando-os das residências que faziam parte de seus sonhos da casa própria.

Com a redução do número de unidades, o número de ocorrências caiu ostensivamente, mas ainda há correções no curso que precisam ser levadas adiante, como a implementação de serviços, lazer, educação e até mesmo apoio religioso. Tais componentes são importantes para aumentar o sentido de comunidade, uma das bases do programa.

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Tal discussão voltou à pauta a partir da ação dos órgãos de segurança do Rio de Janeiro, que fizeram a ocupação da comunidade do Jacarezinho, Zona Norte, cujo histórico recente é preocupante. Foi lá, no ano passado, que ocorreu uma das ações mais letais da Polícia Militar fluminense, que resultou na morte de quase 30 pessoas. Dessa vez o mote é outro. O governador Cláudio Castro, que substituiu Wilson Witzel, apeado do poder por conta da cassação do mandato, tenta a reeleição, e um programa de tal magnitude, se der certo, é uma vitrine e tanto para a campanha. Em princípio, está jogando sozinho, pois sequer chamou o prefeito da cidade, Eduardo Paes, para participar das discussões que antecederam o fato.

Jogo político à parte, fica no ar a continuidade do processo de ocupação. Em 2008, quando ocorreu operação semelhante na Rocinha – uma das maiores favelas do Brasil -, foram implantadas as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que deram resultados num primeiro momento, com a drástica redução da violência na região. Com o tempo, o programa começou a fazer água por não ter sido complementado por ações que estavam previstas quando de sua concepção. Não basta a intervenção militar se medidas paralelas de viés social não forem implementadas. O Governo diz que tirou lições do episódio de 14 anos atrás e vai executar um amplo programa na região e, se der resultado, pelo Rio afora.

Mas o governador começou mal ao não chamar a Prefeitura para participar do programa. O prefeito Eduardo Paes, antes de dizer que não tinha sido convidado, se colocou à disposição para ajudar, sobretudo por ser a Prefeitura – como em qualquer município – a porta de entrada das demandas da população. Para dar certo, portanto, ambos precisam se desprender do processo político que está só começando. Caso contrário, estará sendo jogado fora um programa que pode mudar o perfil da Cidade Maravilhosa, hoje, por conta da violência, não tão maravilhosa assim.

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