O tempo e a bengala

Por Carlos Eduardo Paletta Guedes, Advogado, professor, mestre em Direito e Inovação (UFJF)

01/12/2021 às 07h00 - Atualizada 02/12/2021 às 14h40

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira passada, a admissibilidade de uma proposta de emenda à Constituição que revoga a chamada “PEC da Bengala”, que foi promulgada pelo Congresso em 2015, estabelecendo a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União aos 75 anos. O texto aprovado na semana passada reduz a idade para 70 anos.

Não se sabe ainda se essa nova proposta irá passar em definitivo no Legislativo, considerando que a Constituição foi alterada em 2015, data recente. Se o Congresso entendeu, há seis anos atrás, que 75 era uma idade adequada para aposentadoria compulsória, como justificar essa mudança brusca em tão pouco tempo? Muitas vezes, por trás dos argumentos racionais, correm interesses políticos. Em 2015, acusou-se o Congresso de elevar a idade para evitar que a presidente nomeasse ministros. A redução atual seria para permitir a nomeação… Deixando de lado o calor dos embates políticos, qual é afinal o melhor modelo para o tempo de atuação de ministros de uma Suprema Corte?

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Um caso extremo é o dos Estados Unidos, que não têm uma regra de aposentadoria compulsória. O mandato do ministro é vitalício. Se não se aposentar por vontade própria, sairá somente quando morrer. Por isso, os debates lá são bastante acirrados sobre a necessidade de se estabelecer um mandato fixo para os juízes da Suprema Corte.

Uma primeira crítica diz que há um desequilíbrio entre a quantidade de nomeação feita pelos presidentes. Nos Estados Unidos, quatro presidentes indicaram seis ou mais juízes, enquanto quatro outros presidentes não indicaram nenhum. E, historicamente, alguns juízes permaneceram na Corte enquanto estavam física ou mentalmente incapazes de fazer o trabalho. Para o professor da Northwestern University, Steven Calabresi, a solução seria uma emenda constitucional que fixasse um mandato não renovável de 18 anos. Os mandatos seriam escalonados para que os presidentes de um mandato tivessem garantidas duas nomeações; presidentes de dois mandatos teriam quatro. Para Calabresi, um mandato de 18 anos é tempo suficiente para que os juízes permanecessem independentes. E os presidentes não teriam mais os incentivos para escolher candidatos jovens a fim de influenciar a Corte nas próximas décadas.

Por outro lado, há quem defenda o mandato longo. O primeiro argumento vem justamente de um dos idealizadores da ideia, Alexander Hamilton, um dos “founding fathers” da nação americana. Em seu texto do Federalista (n. 78), Hamilton explicou que o mandato vitalício garante que os juízes decidirão os casos livres de pressões políticas. Esse “espírito independente” garantiria que os juízes desempenhassem suas funções com neutralidade. John Yoo, da Universidade de Berkeley, defende que alterar a Constituição para impor limites de mandato aos juízes da Suprema Corte ameaça essa independência. Segundo ele, os juízes podem procurar agradar àqueles que poderiam oferecer-lhes emprego após o término de seu mandato.

Yoo conclui dizendo a luta política por nomeações no Judiciário irrompe não por causa do mandato vitalício, mas por causa da importância cada vez maior das decisões judiciais. Isso vem transferindo poder da esfera política para a judicial. Influenciar a nomeação de juízes, em vez de trabalhar para ganhar as eleições, é um atalho para implantar pautas ideológicas. Não é nenhuma surpresa que o nosso STF venha ganhando os holofotes como nunca na história.

Como se vê, todos os modelos têm suas vantagens e desvantagens. Cabe, pois, ao nosso Congresso debruçar sobre o tema não sob a pressão das lutas atuais, mas buscando o melhor desenho institucional para o país.

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Carlos Eduardo Paletta Guedes

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