Livro ‘Se eu ficar’ cai no gosto do público jovem
Há algum tempo, as livrarias têm sobrevivido por conta das paixões adolescentes. São elas quem formam os best-sellers e alimentam as editoras, intrigando os estudiosos. Da enxurrada de títulos que chegam todos os meses às prateleiras – na altura que alcance as mãos dos jovens -, dois subgêneros já foram identificados: o “chick-lit”, que é feito com temáticas e linguagem próprias do universo feminino, e o “sick-lit”, com foco em doenças e histórias de superação. Se no início dos anos 2000 era a literatura fantástica que fazia a cabeça desse público, agora é a vez das verdades, límpidas, mas não cruas. Na medida da maldade que eles suportariam. “Seu eu ficar” (Novo Conceito, 224 páginas) poderia soar ilusório, não fosse a opção da autora Gayle Forman pela verossimilhança.
Mia é uma garota bonita e extremamente sensível, que desde criança mostra inclinação para a música, ainda que ninguém em sua casa lhe sirva como influência direta. Violoncelista, a garota começa a se profissionalizar e apaixona-se por um colega músico. Num dia comum, quando seus pais e o irmão decidem fazer um passeio pela cidade coberta pela neve, ela sofre um sério acidente e entra em coma. A narrativa parte do traumático fato para refletir a vida e as escolhas que são feitas. Narrado por ela e por Adam, o garoto por quem se encantou, o livro conta as impressões de quem ficou e também da própria acidentada, que olha tudo e todos sem nada poder fazer.
O coma como esperamos
E não se trata de um fantasma. O acerto de Gayle é justamente trazer para o campo do palpável uma história que beira o surreal. “Se não estou morta – e o monitor que acompanha os batimentos cardíacos continua apitando, então suponho que não morri -, mas não sou eu quem está no meu corpo, então, será que posso ir para outro lugar? Sou um fantasma? Será que consigo me transportar para uma praia no Havaí? Será que posso aparecer do nada no Carnegie Hall, na cidade de Nova York? Posso ir até onde Teddy está?”, indaga Mia, logo no início da trama, para logo responder, descrevendo uma cena: “Só para tentar fazer uma experiência, tento mexer o meu nariz como Samantha em ‘A feiticeira’. Não acontece nada. Estalo os dedos. Bato os saltos do sapato. Continuo aqui”.
A garota, que não passa pela parede – o que acaba se aproximando da ideia do coma – e precisa escolher entre viver ou morrer, acaba de chegar às telonas interpretada por Chloë Grace Moretz. Reprodução do cartaz do filme, a capa do livro tinha a pretensão de arrebanhar leitores através do cinema. Isso não aconteceu. No Brasil, o filme não decolou conforme o esperado. Já o livro superou “A culpa é das estrelas” e está no primeiro lugar de vendas. De acordo com o portal PublishNews, especializado no mercado editorial, somente na primeira semana de setembro, a história de Mia vendeu quase o dobro de exemplares da obra máxima de John Green.
Os jovens? Estão bem
Sucesso nos cinemas e nas livrarias norte-americanas, o livro de Gayle vive retumbante aceitação, levando a reboque a continuação “Para onde ela foi” (Novo Conceito), que também pode virar filme, cujo ponto de vista é de Adam. Além de a ambientação perseguir os Estados Unidos, a própria personalidade dos personagens indicam suas origens, por demais assépticas. “Nem patricinha demais, nem ‘boazinha’ demais. Apenas Mia”, resume Chloë, em entrevista feita pela autora da obra e que serve como prólogo do livro. “Quando comecei a conhecer você um pouquinho, enxerguei uma dicotomia: Chloë, a estrela do cinema, e Chloë, uma garota normal. Sei que pode soar meio clichê, mas você parece uma garota normal, que também é muito determinada e ciente do que quer”, derrete-se Gayle, certa de que o rosto de Mia não poderia ser outro.
Ainda que “Se eu ficar” não rompa com recursos linguísticos, lançando mão de narrativas entrecortadas por horários, próximas de um diário, o título mostra, como muitos outros norte-americanos, um domínio muito grande dos diálogos. Não é à toa que os Estados Unidos se tornaram reconhecidos pelas boas séries que produzem. Gayle Forman encara com leveza e destreza a comunicação com os jovens, provocando neles a pergunta que é feita a sua personagem: Vale ficar? Vale viver? Eis, então, o caminho trilhado por esse público, consciente e disposto a navegar por questionamentos subjetivos através de histórias reais e, lógico, fofas.