Para uma Igreja sinodal
Francisco, bispo de Roma e pastor da inteira Igreja católica, tem insistido na renovação impulsionada pelo Concílio Vaticano II (1962-65). Um dos instrumentos jurídicos de que dispõe é o sínodo, que reúne bispos representantes de todas as igrejas locais para deliberar sobre o tema em pauta. Embora tenham somente caráter de recomendação pastoral, as decisões dos sínodos podem influir muito nos rumos da Igreja, à medida que elas se difundem pelo mundo inteiro.
Acaba de ser inaugurado o processo de preparação do próximo Sínodo, a realizar-se dentro de dois anos. Seu tema é sinodalidade da Igreja. Embora possa parecer estranho convocar um sínodo para deliberar sobre si mesmo, Francisco mostra sabedoria ao estabelecer esse tema, porque se a Igreja existe para a missão, suas estruturas precisam ser, elas próprias, missionárias. Enquanto houver incoerências entre missão e estrutura, a missão não conseguirá corresponder ao mandato de Jesus: “Tornar o Reino de Deus presente no mundo” (como ensina a Alegria do Evangelho 176).
Esta é a eterna novidade da Igreja: manifestar em palavras e obras a ternura de Deus pela Humanidade e pela comunidade de vida da Terra. Para que essa mensagem de esperança tenha credibilidade, ela deve ser acompanhada pela atitude prática de animar a “nobre luta pela Justiça Social”, de que falava João Paulo II. O Papa ensina, em sua última encíclica, que o Reinado de Deus começa, aqui e agora, quando a Humanidade aceita viver em fraternidade e amizade social. Para que essa mensagem de esperança ganhe força, a Igreja precisa dar o exemplo de fraternidade e amizade social também nas estruturas eclesiásticas.
É indispensável resgatar a doutrina do Concílio Vaticano II, que afirma sermos todos os cristãos “ungidos” com o Espirito Santo desde o Batismo. Isso faz da Igreja uma comunidade onde deve reinar a igualdade quanto à dignidade de todos os fiéis. E é nesse sentido que Francisco fala de Igreja sinodal: o “caminhar juntos” do Povo de Deus na comum dignidade e missão, e na complementaridade de seus carismas. Em virtude dessa “unção”, toda pessoa batizada torna-se responsável pela missão evangelizadora, que não depende de ordenação ministerial.
A sinodalidade é, portanto, uma dimensão constitutiva da Igreja, é o “caminhar juntos” do rebanho cujo pastor é o próprio Cristo Jesus. Francisco reconhece que não é fácil pôr em prática a sinodalidade, porque ela requer colocar-se à escuta dos outros e à escuta do Espírito Santo. Escutar leigos e leigas atuantes no mundo profano pode implicar escutar vozes incômodas, que não se conformam com uma Igreja de sacristia, de paramentos, incensos e louvores, enquanto do lado de fora aumenta a fome e a miséria de tanta gente. Mas esse é um imperativo, para que as vozes presentes no sínodo não sejam só as de quem repete o mesmo discurso.
Paralelamente ao processo de escuta do Sínodo, está sendo preparada a Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe (novembro de 2021). Diferentemente das quatro assembleias anteriores, por vontade do Papa, esta será um evento com participação de toda a Igreja, e não apenas de bispos. Avança-se assim na direção de uma Igreja verdadeiramente sinodal, na qual a totalidade do povo de Deus aparece como sujeito eclesial.
É preciso insistir: a missão da Igreja é “tornar o Reino de Deus presente no mundo”, e é por isso que ela se envolve com os problemas do mundo: para fermentar a sociedade com a força do Evangelho de Jesus Cristo. A sinodalidade eclesial é uma condição básica para o êxito dessa missão.
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