Educação e pandemia: entre tessituras possíveis

“Educar é um ato amoroso (…). Quem se oferece a esse ofício transmite algo de si, de sua posição no laço social”


Por Nathália Meneghine, psicóloga, psicanalista e professora

26/09/2021 às 07h00

Um professor se ocupa da função de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade, transmitir a História, tecendo um fio entre o passado e o presente. Nessa tessitura, se encarrega de zelar pela tradição para que possamos não ter que “começar tudo outra vez” a cada geração. Nesse ato, provoca a emergência do futuro de modo articulado às nossas escolhas, enquanto sociedade no tempo presente.

Nessa perspectiva, a função da educação é também a de filiação, de inserção do sujeito na cultura, possibilitando a ele reconhecer marcas de identificação com o outro, dar lugar às diferenças e construir seu próprio lugar de palavra nesse mundo.

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Educar é um ato amoroso, nesse sentido. Quem se oferece a esse ofício transmite algo de si, de sua posição no laço social. Ensinam-se não só fórmulas e gramática, mas como se relacionar com o próprio desejo de saber.

Isso não se faz sem laço educativo. Nenhuma aprendizagem é possível fora desse laço. E tecer laço educativo sem voz, sem corpo e sem olhar tem uma certa dimensão de impossível. No entanto é justamente pela via do nosso desejo, enquanto professoras e professores, de transmitir, que temos inventado novas estratégias para que a nossa palavra continue em vigor, que o ensino e a transmissão operem, atinjam nossos alunos pelas mais diferentes e criativas vias de acesso.

No final do ano passado, li o texto do professor Jeferson Tenório, em que ele afirmava: “Os professores são a última trincheira contra uma sociedade inculta e bárbara”. Ele está correto. De lá para cá, isso se tornou ainda mais evidente. E nossas vidas, assim como a da maior parte da população brasileira, mais difícil.

O que se passa no território de uma sala de aula não é substituível. Não tem como esse real ser tamponado. Nem deve.

A escola não está, nem pode estar, fora da vida. Reconhecemos as dificuldades e as perdas que a pandemia nos impõe, mas não paralisamos nosso trabalho diante delas. Justamente, tem sido a partir do reconhecimento dessas dificuldades que temos também aprendido novas maneiras de sustentação do laço educativo, para que as aprendizagens continuem a acontecer, ainda que fora do ideal. Aliás, é sempre fora desse campo dos ideais que elas acontecem: a aprendizagem é veiculada pelo desejo, portanto, também, em certa medida, é transgressora.

Se os professores são a última barreira contra a barbárie, as famílias são as primeiras.

Escola e família não estão no mesmo lugar, isso é certo. Mas nem por isso devemos deixar de considerar que a responsabilidade pela educação não nos coloca em lados opostos, como alguns discursos de dissolução querem nos convencer. Há pontos de encontro, de aproximação, fundamentais para que possamos conversar e oferecer uma mirada de sociedade mais dialógica para crianças, adolescentes e jovens de quem cuidamos.

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