Procura aumenta, mas skatistas buscam incentivo em JF

Vendas crescem após Olimpíada, mas modalidade demanda reorganização no município; Prefeitura afirma que a cidade possui 13 pistas públicas e programa reunião com associação juiz-forana


Por Mariana Floriano, estagiária sob a supervisão do editor Bruno Kaehler

22/08/2021 às 07h00

Mais que medalhas, nas últimas semanas os atletas profissionais de skate que representaram o Brasil em Tóquio conquistaram respeito e a visibilidade para o esporte, que durante muito tempo esteve marginalizado e chegou até mesmo a ser proibido, na década de 1980, em São Paulo (SP). Assistir Kevin Hoefler, Pedro Barros ou a pequena Rayssa Leal, de apenas 13 anos, ostentando a prata no peito, fez com que muitos garotos e garotas no país se imaginassem no mesmo lugar. E, com isso, a busca pela prática do skate aumentou, inclusive em Juiz de Fora, onde a modalidade tem uma longa tradição de demanda por espaço e direito para os esportistas da área.

Há 20 anos, quem passasse em frente à Escola Normal de Juiz de Fora esbarraria com o grupo pioneiro do skate na cidade. Em uma época em que não existiam pistas particulares nem públicas, as calçadas lisas eram o cenário ideal para prática mais autêntica do “skate street”, o skate de rua. A modalidade, que neste ano estreou nos Jogos Olímpicos, em Tóquio 2020, vive hoje seus dias de glória. Mas Brunner Lopes, representante da Associação Juiz-Forana de Skate (AJS), conta que no final dos anos 90 a realidade era marcada pelo preconceito e a repressão.

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Segundo ele, nessa época os skatistas eram vistos como arruaceiros e frequentemente eram dispersados pela polícia. “Foi nesse contexto que surgiu a Associação (AJS). A turma que se encontrava para andar de skate decidiu se organizar para garantir nosso direito e buscar o desenvolvimento do esporte na cidade”. E desde 1999, ano em que foi fundada, a AJS realizou campeonatos, demonstrações em escolas, oficinas de skate, projetos em parceria com o poder público e até mesmo a construção de uma pista no Bairro Linhares. Entretanto, a pandemia da Covid-19 interrompeu as programações. “O skate tem que ser presencial, não tem outro jeito. Em 2019 venceu o contrato da última diretoria e, até então, não realizamos uma nova eleição. Mas, nos últimos tempos, um grupo vem fazendo reuniões on-line para colocar os trabalhos para frente assim que for possível”, explica Brunner.

O ex-presidente da AJS ainda afirma que o atual momento de popularidade do skate é ideal para que o movimento se reorganize na cidade. “E não falo só dos skatistas, mas de todos aqueles que gostam do esporte. Comerciantes de lojas especializadas, por exemplo, que iriam se beneficiar com o desenvolvimento da prática na região, e famílias no geral, que têm seus filhos querendo iniciar no skate. É importante que exista essa organização para que nós possamos ter um diálogo com a Prefeitura, discutir nossas dificuldades e apresentar o que temos de bom a oferecer”.

Pista de LInhares, construída pela AJS, é apontada como uma das melhores da cidade (Foto: Jéssica Pereira)

“Flip” no comércio de skate

Mesmo que você não tenha muito contato com a prática do skate, provavelmente já deve ter escutado o termo “flip”. O “kickflip”, ou apenas “flip” é uma das manobras mais clássicas do skate street, e consiste em fazer o skate girar sobre o seu próprio eixo. E essa “virada” também foi observada nas lojas especializadas na venda de artigos de skate em Juiz de Fora.

De acordo com Thiago Machado, representante da Pegásos Skate Shop, nas últimas semanas a procura pelo skate teve um aumento de cerca de 35%. Ele ainda afirma que tem observado tanto clientes que querem começar no esporte, em diferentes idades, quanto aqueles que estavam parados há um tempo e que decidiram retornar. “Acredito que a Olimpíada tem um peso muito significativo nisso e a gente espera que esse interesse possa continuar por mais tempo”, afirma.

O comerciante Juliano Deresz, da So High Skate Shop, reafirma esse aumento nas vendas. Segundo ele, a procura pela compra de skates começou a subir após a primeira modalidade do esporte na Olimpíada. “Nos últimos dias a gente observou um aumento de cerca de 30% na procura”, afirma. “Houve bastante crianças para comprar o seu primeiro skate, mas teve também adultos que andavam e estão retornando, aumentando ainda a compra de peças”.
Juliano também levanta a questão da qualidade das pistas de skate em Juiz de Fora, afirmando que é preciso o investimento de órgãos públicos para que elas se tornem adequadas para a prática. “Infelizmente, as (pistas) que temos na cidade hoje em dia, ou não são adequadas, ou falta manutenção. É um movimento que caminha lado a lado com a arte, com a música e toda a expressão urbana. E ainda vale ressaltar que Juiz de Fora tem um número significativo de skatistas”.

Crianças aproveitam espaço da pista de skate no Bairro Benfica (Foto: Jéssica Pereira)

“O skate já é legal há muito tempo”

Segundo dados disponibilizados pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) à reportagem, a cidade possui atualmente 13 pistas de skate sob o domínio da Administração municipal. Porém, a conservação dessas pistas é algo que tem frustrado os praticantes da modalidade no município. Iuri Maggi, skatista profissional na modalidade down hill, ainda reforça que, além de pouca manutenção, quase todas as pistas juiz-foranas não apresentam estrutura adequada para a prática do esporte. “Poucos locais têm pistas boas para andar, e acho que isso acontece porque, no geral, elas não contaram com a participação dos skatistas durante o projeto. A gente vê a diferença na pista do Linhares, por exemplo, que foi construída pela AJS, que é uma das poucas que são boas para andar. As outras quebram o galho, mas não são bem invertidas”, analisa.

Iuri, que foi campeão sul-americano de skate down hill, também já atuou como professor no projeto “Encontros de Skate”, que era realizado no Centro de Artes e Esportes Unificados Coronel “Adelmir Romualdo de Oliveira”, a Praça CEU, antes da pandemia. Ele enfatiza a importância do incentivo ao esporte por sua capacidade de ensinar lições preciosas para a vida.

“O skate é muito mais que um esporte, é um estilo de vida. Com ele você aprende a estar sempre focado no próximo passo, acertar a próxima manobra. Você aprende a cair, levantar e fazer de novo; a ser persistente até conseguir acertar”.

Iuri Maggi, skatista profissional, entende que o esporte precisa ser tratado por mais especialistas na modalidade (Foto: Jéssica Pereira)

De acordo com ele, a popularização do skate por conta das olimpíadas é algo positivo, mas é importante lembrar que muitos dos skatistas que fizeram história em Tóquio chegaram lá por mérito próprio, sem qualquer incentivo do governo. “O skate hoje em dia é muito legal, mas ele é legal há muito mais tempo. Eu, com 32 anos, já enfrentei outros tipos de batalha com o skate. Na maior parte da vida eu fui malvisto por ser skatista. A gente não tem incentivo do governo. Nós, brasileiros skatistas, temos que nos desdobrar e trabalhar em milhões de funções para conseguir nos manter no esporte e ir atrás do nosso sonho”.

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Atualmente, Iuri afirma que graças ao patrocínio da startup juizforana Dux Cripto, ele tem conseguido seguir com a sua carreira. Com a pandemia, os campeonatos foram suspensos, e com eles o Bolsa Atleta, auxílio financeiro dado pelo Governo Federal para atletas de alto rendimento, mas que foi cortado em 2020. “Nos Estados Unidos, e na ‘gringa’ as pessoas ganham patrocínio para ficarem boas e virarem excelentes atletas; aqui no Brasil a gente precisa virar um excelente atleta para ganhar o patrocínio. E até isso acontecer você tem que se privar de ter uma liberdade financeira, porque vai ter que investir muito tempo e dinheiro em você mesmo”.

Pista no Bairro Benfica é procurada por jovens para prática do skate (Foto: Jéssica Pereira)

Manutenção que exige especificidade

Questionada sobre a má condição das pistas de skate em Juiz de Fora, a Prefeitura (PJF) afirmou que a manutenção desses espaços é de responsabilidade da Empresa Municipal de Pavimentação e Urbanização (Empav), mas que exigem um alto grau de especificidade, que leva em conta, por exemplo, as proporções entre altura e angulação das paredes, a instalação de cantoneiras e coping nas bordas (tubo específico para prática de skate) e a preparação específica do piso.

Em nota, a PJF ainda afirmou que nas próximas semanas irá se reunir com a Associação Juiz-Forana de Skate (AJS) para discutir o esporte na cidade.

 

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