Bode na sala
Câmara rejeita distritão, mas queria mesmo era ressuscitar as coligações, que ela mesma tinha abolido há quatro anos
A decisão da Câmara Federal de retornar com as coligações – abolidas por uma PEC aprovada por esta mesma Câmara, em 2017 – mostra claramente que o distritão, rejeitado por ampla maioria na noite de quarta-feira, era apenas o bode na sala no projeto de reforma política apresentado às pressas aos parlamentares. A matéria caiu de goleada numa clara demonstração de que não era, em momento algum, a prioridade dos deputados e, especialmente, do presidente Arthur Lira.
Por outro lado, rejeitar o distritão e voltar com as coligações foi uma típica redução de danos, com a Câmara retornando com uma prática que só servirá para ressuscitar siglas de aluguel e aumentar o número de partidos, indo na contramão do que foi discutido, votado e aprovado há quatro anos. A Câmara adotou a ética do mal menor, num claro posicionamento voltado para o seu próprio umbigo.
O Congresso tem hoje 33 partidos e pode, já a partir do próximo pleito, aumentar ainda mais o número de legendas, já que, com as coligações, pequenos partidos viram moeda de barganha, sobretudo para abrigar políticos que não encontram espaços em agremiações de maior porte.
É fato que há uma cláusula de barreira, que impede a eleição de candidatos que não obtiverem percentual mínimo do quociente eleitoral, mas nada justifica a volta de uma proposta que sequer foi experimentada na eleição geral. No pleito de 2018, único sem coligação, foi emblemática a redução do número de legendas, mas somente com disputa por vagas nas assembleias e no Congresso seria possível fazer uma avaliação mais consistente.
Esse açodamento tornou-se um fator preocupante na cena nacional. As propostas são perecíveis, tirando a segurança, inclusive jurídica, de algumas ações. Num cenário com o viés ideológico exacerbado, há uma busca por mudanças de toda ordem, como se as leis fossem feitas para atender a conveniências, e não ao interesse coletivo.
Ademais, a reforma ora em curso passou longe do debate aberto, sendo uma articulação interna e votada intempestivamente. A volta das coligações, por exemplo, foi colocada em pauta no início da noite de quarta-feira, surpreendendo oposição e aliados, como se fosse uma causa menor.
Como a agenda do deputado Arthur Lira passa por mudanças sistemáticas, é provável que novas alterações tenham sido discutidas e votadas após o fechamento do jornal, mas é possível considerar que ainda resta o Senado, que pode colocar um freio nesses muitos arroubos.