Cachorro-quente


Por Júlia Pessôa

15/08/2021 às 07h00

Outro dia desci a antiga Avenida Independência e atravessei da antiga esquina da Planet para a ainda esquina do cachorro-quente da esquina. Bateu um conforto em saber que algumas poucas instituições permanecem funcionando nesse país em franca expansão do sucateamento. Os dogões de esquina resistem – embora nem sempre nas esquinas.

Tento me lembrar de quanto custava um cachorrão completo quando cheguei a Juiz de Fora 17 anos atrás, eu mesma tendo acabado de sair dos 17. Não consigo. Mas lembro do controle motor necessário para fazer o mínimo de lambança possível equilibrando num saquinho vagabundo a salsicha (ou no plural, em dias de ousadia), os molhos, o milho e o montinho de batata-palha, que fatalmente ia pro fundo do saco pra se comer com as mãos depois, lambrecada do que vazava de molho. 

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Se me recordo das dores de cabeça em função de tomar a então a cerveja dos amigos por R$ 1,30 ou um vale-transporte na longínqua cantina da faculdade, aposto que a iguaria das esquinas custava uns dois reais.  Hoje mal se compra um pão francês. Mas na época era o suficiente para valer a ida até a esquina, contar as moedas, rachar um guaraná caçula com a minha amiga Fefê e subir a Independência declarando a nossa própria, planejando a vida e rindo que a estátua do menino com pipa ficava mais sem ela do que com.  A cada passo, uma ajeitada no caderno debaixo do braço e aquela averiguada na salsicha pra ela não cair.

Talvez ainda hoje eu passe pelas esquinas onde me lambuzei com cachorros-quentes procurando por seus carrinhos. A decepção é imediata quando não estão mais por lá.  Até gosto bastante da iguaria, mas não mais que a média das pessoas. Mas essa fome não passo, tendo recorrido ao delivery canino, de versões gourmet aos mais raiz e gigantes. Talvez a tristeza que me dá seja uma nostalgia besta de outros tempos, em que era possível não saber, luxo que era possível se dar naquele tempo sem que o mundo acabasse.

Agora, posso me fartar de cachorros-quentes, mas toda vez que me afasto das notícias, por breve que seja, quando retorno, mais um pouquinho de mundo se foi. É como dizem sobre salsichas e jornais – melhor não saber como são feitos. Mas sou fadada ao fracasso sendo jornalista e  já tendo comido cachorro-quente demais nessa vida. O que há de sobrar de mundo?

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