Religião, laicidade e democracia

“Diante dessa realidade, fica claro que nem todas as Igrejas cristãs têm exercido seu papel ‘profético, crítico e libertador’”


Por Equipe “Igreja em Marcha”

23/07/2021 às 07h00

Nossa coluna do dia 9 de julho anunciava a realização do congresso da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter). Realizado de modo remoto, o congresso reuniu mais de 700 participantes, e, ao final de quatro dias de estudos e debates, publicou a nota que aqui comentamos. Sem rodeios desnecessários, ela chama a atenção das igrejas cristãs para a fidelidade à sua vocação profética.

Para avaliar a importância dessa manifestação, convém lembrar que os membros da Soter são professores ou professoras e estudantes de Institutos Teológicos e Cursos de Ciências da Religião, em sua grande maioria com título de mestrado ou doutorado. Sua formação superior em Teologia e ciências afins os obriga a buscar uma visão cristã da realidade em que vivemos, pois só assim a fé cristã se atualiza e ganha efetividade no mundo atual. É diante desse imperativo intelectual que deve ser lida a nota difundida ao final do congresso.
Nela, manifestam sua “preocupação e repúdio em relação à deterioração da democracia no Brasil”. Citam então “a violência policial, o aprofundamento da desigualdade social e da fome, a destruição ambiental, a agressão aos povos indígenas, o racismo estrutural, o sexismo e o crescimento do feminicídio” como sinais dessa perda de teor democrático em nosso país.

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Dedicam especial atenção ao negacionismo, que “foi e é responsável por grande parte do número de mortos pela atual pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 530 mil vidas no Brasil. Este mesmo negacionismo agravou a crise econômica, levando a um enorme contingente de pessoas desempregadas e ao aumento da fome e da miséria”. Essa constatação obriga Soter a usar palavras duras contra as Igrejas que se desviam de sua função profética e – pior – associam-se aos poderosos, em vez de ouvir os clamores de quem sofre.

Diante dessa realidade, fica claro que nem todas as Igrejas cristãs têm exercido seu papel “profético, crítico e libertador. Ao contrário, alguns grupos têm instrumentalizado a religião, negado o caráter laico do Estado e promovido, ou reforçado, a deterioração de nossa democracia em nome de Deus, inclusive afirmando e praticando a intolerância religiosa”.

Essa instrumentalização da religião a serviço de um governo viola o preceito de laicidade do Estado democrático e acaba por prejudicar as igrejas que se deixam instrumentalizar. Ao receberem privilégios, como isenções fiscais descabidas, elas recuam naquilo que lhes dá legitimidade, inclusive aos olhos de não crentes: a defesa da vida, da ética e dos direitos humanos. Por essa razão, a nota coloca em destaque a função social da religião: “Urge reafirmar que as religiões devem estar a serviço da vida, e não da morte”.

Recuperando a história recente do Cristianismo no Brasil, a Soter lembra que “em nosso país ele foi fundamental, juntamente com outras tradições religiosas, na luta pelos direitos humanos e pela redemocratização do Estado e da sociedade”.

Por isso, a nota termina com um apelo profético: “Conclamamos hoje todas as lideranças religiosas a se colocarem na defesa incondicional da plena democracia, dos direitos humanos e da justiça social”.
Essa é a função socialmente construtiva da Teologia e das Ciências da Religião: perceber os apelos e os clamores do mundo em que se vive e, inspiradas pela Palavra de Deus, propor caminhos de vida, e vida em abundância.

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