‘Godzilla vs Kong’: Encontro de titãs na HBO Max

Longa de Adam Wingard coloca lagarto e gorila gigantes frente a frente em produção que convence nas batalhas, mas patina nos dramas humanos


Por Júlio Black

22/07/2021 às 07h00

Godzilla e Kong (que ainda não é o “King”) fazem o verdadeiro encontro de gigantes (Foto: Reprodução)

Hollywood tem um grande problema com os filmes-catástrofe, sejam desastres naturais, invasões alienígenas ou ataques de monstros gigantes: a praga do “fator humano” – ou drama humano, se preferir.

Por exemplo: em “Godzilla II: Rei dos monstros”, terceiro filme do MonsterVerse criado pela Warner Bros. e a produtora Legendary, o famoso kaiju japonês tem que enfrentar alguns dos seus maiores inimigos, Rodan e King Ghidorah, com uma forcinha da mariposa gigante Mothra. Com esses titãs na tela, bastava fazer o que o Dr. Ishiro Serizawa (o grande Ken Watanabe) disse no primeiro “Godzilla”: “Let them fight” (“Deixe-os lutar”). Daí, era só mostrar os humanos da organização Monarch tentando evitar o pior, mas a cartilha de Hollywood diz que é preciso desenvolver personagens com quem o público posse se “identificar”, e lá vamos nós assistir à lavagem de roupa suja familiar dos personagens de Vera Farmiga, Kyle Chandler e Millie Bobby Brown.

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Engraçado que a Warner Bros. e a Legendary produziram o melhor filme de monstros da década passada em que o “fator humano” estava lá sem incomodar. “Círculo de Fogo”, de 2013, sabia que as pessoas queriam ver robôs gigantes (os jaegers) lutando com os kaijus e que os protagonistas humanos não precisavam de muito para justificarem sua presença na história. Porém, todo mundo sabe que o filme só foi o que foi graças a Guillermo del Toro, pois se tratava de um projeto pessoal do diretor mexicano, tanto que a Warner manteve a tradição de estragar boas ideias quando comandou a continuação, “Círculo de Fogo: A revolta” (2019).

Pois bem, toda essa divagação antes de se chegar à crítica de “Godzilla vs Kong”, que estreou no catálogo do HBO Max na última sexta-feira (15), é para dizer que o novo longa do MonsterVerse poderia ter aprendido com os erros do longa anterior – ainda mais que o filme foi adiado em um ano por causa da pandemia – e com os acertos de “Círculo de Fogo”, mas a produção dirigida por Adam Wingard fica no meio do caminho. Se não é tão decepcionante quanto a anterior, não chega aos pés da lendária porradaria entre jaegers e kaijus extradimensionais.

A história se passa poucos anos depois de “Godzilla II”. A humanidade não sofreu nenhum ataque dos Titãs (não confundir com a banda) depois que Godzilla derrotou Ghidorah. Um dia, porém, o lagarto gigante ataca sem motivo aparente uma instalação da Apex Cybernetics, onde um maluco por teorias da conspiração, Bernie Hayes (Brian Tyree Henry), trabalha infiltrado para tentar revelar os podres da corporação. Após o ataque, o CEO da Apex, Walter Simmons (Demián Bichir), convence um teórico da Terra Oca, Nathan Lind (Alexander Skarsgård), a liderar uma expedição até o centro do planeta com o objetivo de encontrar uma fonte de energia capaz de ajudar a derrotar Godzilla.

Para isso, entretanto, eles terão que ser guiados por um dos Titãs. Lind, então, convence outra cientista, Ilene Andrews (Rebecca Hall), a tirar Kong da cúpula em que foi aprisionado na Ilha da Caveira – com o objetivo de não chamar a atenção de Godzilla – para que ele guie a equipe através de uma das entradas para a Terra Oca, localizada na Antártica. Ao mesmo tempo, Bernie é procurado por Madison Russell (Millie Bobby Brown), que havia ajudado Godzilla no filme anterior e que acredita nas teorias do maluque-te a ponto de querer ajudá-lo a descobrir o que a Apex Cybernetics está tramando.

Pancadaria de peso

É a partir desse roteiro que “Godzilla vs Kong” encontra uma desculpa para realizar o sonho dos fãs de colocar os monstros para lutar mais uma vez – o que aconteceu em uma bizarra produção de 1963. Nesse ponto, o longa de Adam Wingard é perfeito: os dois confrontos entre Godzilla e Kong são impressionantes, com um CGI que impressiona e dá peso a cada batalha e movimento dos dois titãs – um exemplo perfeito é quando o lagartão chega em Hong Kong e sai arrastando uma ponte nas costas. É impossível não soltar um “UOU!!!” quando Kong dá o primeiro socão no seu inimigo, e os efeitos especiais sabem usar as melhores características físicas dos bichões.

O problema, porém, fica com quase todo o resto. Noves fora a teoria da Terra Oca ser tão ridícula quanto a da Terra plana, o roteiro simplesmente empurra a história para frente custe o que custar, o que torna praticamente tudo inverossímil (levar uma garotinha numa missão ao centro da Terra? Uma empresa que nunca havia sido citada de repente tem uma tecnologia décadas à frente de tudo?).

Para piorar, os arcos dos personagens humanos são absolutamente desinteressantes ou abandonados. Nathan Lind, por exemplo, é um cientista ridicularizado ao defender suas teorias e que perdeu seu irmão numa tentativa fracassada de chegar até o centro do planeta, mas depois que embarca na missão passa a ser apenas mais um na jornada; Walter Simmons é um vilão que não diz a que veio e que não faria falta, mas está lá para (tentar) explicar seu grande plano. Mark Russell (Kyle Chandler), um dos poucos personagens que estavam no filme anterior a retornar, pouco aparece e não tem meia dúzia de frases no filme.

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Mas o pior fica para o trio formado por Millie Bobby Brown, Brian Tyree Henry e Julian Dennison. Se Madison tinha papel fundamente em “Godzilla II”, aqui ela passa o tempo inteiro como uma tonta crédula em teorias da conspiração, que junto aos outros dois parceiros vai para um lado a outro do mundo sem que a presença do trio tenha alguma influência na trama – exceção feita ao ridículo “uísque ex-machina” que é fundamental durante a batalha final do filme.

Do extenso núcleo humano, a única personagem que se salva é a pequena Jia (Kaylee Hottle), filha adotiva de Ilene e última nativa sobrevivente da Ilha da Caveira. Ela é a única pessoa a capaz de se comunicar com Kong e responsável por fazer com que as pessoas percebam que o gigantesco gorila tem capacidade de se comunicar por sinais e, principalmente, que ele tem sentimentos.

Em uma produção com tantos problemas, “Godzilla vs Kong” consegue se salvar graças ao CGI que oferece ao público batalhas verdadeiramente colossais entre os verdadeiros protagonistas do longa, novas criaturas impressionantes e o visual exuberante do interior da Terra Oca. A relação entre Jia e Kong é outro ponto positivo do longa, que no resto se perde ao se preocupar mais do que devia com personagens tão mal desenvolvidos e com quem ninguém se importa.

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