A fabulosa ‘For all mankind’ e ‘Jogador Número Dois’

Por Júlio Black

14/07/2021 às 07h00 - Atualizada 13/07/2021 às 12h57

Oi, gente.

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Em primeiro lugar: quem não gosta de ficção científica bom sujeito não é. Isto posto, se a ah miga leitora e o ah migo leitor curtem sci-fi, acompanham “The Expanse”, “Star Trek: Disovery” e afins, já passou da hora de assistir a “For all mankind” (Apple TV+, em parceria com a Sony Television), uma das melhores produções do gênero atualmente disponíveis no streaming.

A série é baseada em realidades alternativas, um dos temas preferidos dos fãs de ficção científica, tipo “O homem do castelo alto”. No caso de “For all mankind”, o ”What if…” é: o que aconteceria se os soviéticos tivessem chegado à Lua antes dos Estados Unidos? Em nossa realidade, o norte-americano Neil Armstrong deu o “pequeno passo para um homem e um grande salto para a humanidade” em 20 de julho de 1969, enquanto a União Soviética sofria com seus foguetes N1 explodindo a cada tentativa de lançamento. Com a corrida espacial vencida pelos americanos, os soviéticos deixaram nosso satélite natural para lá e até mesmo os Estados Unidos mandaram apenas mais cinco missões à Lua antes de encerrarem o projeto Apollo.

Pois em “For all mankind” a União Soviética não apenas mandou o primeiro satélite, cachorro, homem e mulher ao espaço, mas também chegou à Lua primeiro, na maior derrota dos Estados Unidos no século. Poucas semanas antes da previsão de lançamento da Apollo 11, o mundo foi surpreendido com as imagens do cosmonauta soviético Alexei Leonov na superfície lunar, em que ele dedica a alunissagem ao seu país, seu povo e “ao modo de vida marxista-leninista”.

Imagine o fuzuê na Nasa e no governo americano ao descobrirem que o programa espacial soviético estava mais avançado do que imaginavam – e que perderam a corrida porque o comando da missão não quis arriscar pousar a Apollo 10 na Lua, pois era uma missão para testar os equipamentos, mas que poderia muito bem ter realizado a façanha.

Se no mundo real a União Soviética preferiu dar a corrida por encerrada e aceitar a derrota, na série televisiva o governo dos EUA decidiu que haveria o troco. A Apollo 11 fez sua missão, os soviéticos foram lá e mandaram a primeira mulher até a Lua, e aí o presidente Richard Nixon botou na cabeça que seu país seria o primeiro a montar uma base lunar, nem que para isso precisasse militarizar o programa espacial norte-americano.

E aí está uma das graças de “For all mankind”. Entre personagens reais (Wernher Von Braun, Deke Slayton, Gene Kranz) e fictícios (o protagonista Ed Baldwin, interpretado pelo “Robocop” Joel Kinnaman), a primeira temporada mostra a correria da Nasa para colocar uma mulher na Lua e as mudanças no projeto Apollo a fim de construir a base lunar. O lado soviético pouco aparece, pois o lance é mostrar como os norte-americanos tentaram virar o jogo, com a agência espacial dos Estados Unidos tendo que se equilibrar entre a política e a militarização da corrida espacial.

Já a segunda temporada, passada nos anos 80, mostra como a corrida espacial apenas ajudou a esquentar a Guerra Fria, com as duas potências com bases lunares, disputando recursos minerais e levando astronautas e cosmonautas armados, além da ideia de jerico de eventualmente colocar mísseis na Lua e foguetes nos ônibus espaciais. Por conta disso, não são poucos os momentos de “veja como o meu é maior” que poderiam ser o estopim para a Terceira Guerra Mundial.

A série também mostra outros eventos diferentes dos nossos fatos históricos, e que influenciam o desenvolvimento da trama. Ted Kennedy foi o candidato democrata em 1972 e derrotou Richard Nixon; já Ronald Reagan foi eleito presidente pela primeira vem em 1976 – e não em 1980 -, derrotando Kennedy; os Estados Unidos nunca devolveram o Canal do Panamá; o projeto do super foguete Sea Dragon se tornou realidade; e John Lennon não foi assassinado por Mark Chapman em 1980.

Porém, não basta apenas jogar umas boas ideias, é preciso saber executá-las, e isso a produção de “For all mankind” faz muito bem. A reprodução dos anos 60 a 80 é nota dez, seja nos cenários, figurinos, trilha sonora e resgate de imagens de reportagens reais, discursos de políticos e figuras públicas. Os efeitos especiais são melhores que os vistos em muitos filmes, as cenas na Lua são de cair o queixo e temos aquele sci-fi que respeita a física em 99% do tempo – ou seja, nada de barulho no vácuo espacial.

A trama, por sua vez, equilibra muito bem os dramas pessoais, políticos e militares, enquanto os personagens precisam lidar com vários conflitos éticos, políticos e morais. Ainda temos suspense, reviravoltas que dão aquele desejo sincero de pular para o próximo episódio, e um elenco excepcional.

Como a gente não se contenta com pouco, a cena final da segunda temporada já deixou todo mundo ansioso para o que teremos pela frente – ainda mais que a Apple e a Sony haviam anunciado o terceiro ano antes mesmo da estreia do segundo arco da série.

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Pois é, escrevemos tanto sobre “For all mankind” que quase faltou espaço para comentarmos “Jogador Número Dois” (Intrínseca), livro em que Ernest Cline resolveu arriscar uma continuação para o perfeitinho “Jogador Número Um”, de 2011, que foi adaptado para os cinemas por Steven Spielberg em 2018 e é um dos filmes nerds mais legais da década passada.

O novo livro ganhou versão em português em abril com o senhor desafio de dar continuidade a uma história que não precisava de uma continuação, sejamos sinceros. Mas sabemos como são as coisas: o livro foi um sucesso, o filme deu aquela grana, aí vem o fogo de escrever uma segunda parte que pode render mais dólares nas livrarias e na sala de cinemas – já se fala em um segundo filme baseado no novo livro -, então vamos dar um jeito.

Em “Jogador Número Dois”, Wade Watts, que havia vencido o desafio de James Halliday e se tornado o herdeiro de sua empresa, descobre que o gênio da informática havia desenvolvido uma tecnologia que permite ao usuário acessar os cinco sentidos no ambiente virtual do OASIS, e logo o acessório se torna um sucesso. Essa descoberta, porém, leva a outra: Halliday havia criado um novo desafio para seu herdeiro, em que ele precisa reunir sete fragmentos para deixar inteira a misteriosa “Alma da Sereia”.

A questão é que Watts – cujo codinome no mundo virtual é Parzival – não tem a menor ideia de por onde começar, e o que vai acontecer se ele juntar os fragmentos. Enquanto tenta concluir o desafio, o protagonista terá que resolver outras questões, como o rompimento com Samantha – a Art3mis -, o retorno de um inimigo e uma ameaça virtual que pode matar centenas de milhões de pessoas.

O novo livro de Ernest Cline é bom, né?, mas claramente inferior ao original. Ele atualiza algumas questões que não se faziam presente em 2011, como a discussão de gênero, o haterismo na internet, o fato de que John Halliday não era esse santo que todos vendiam, e tem todas aquelas citações à cultura pop que adoramos, mas algumas coisas não funcionam.

Sem querer estragar com spoilers, digamos que o retorno de um certo personagem nada acrescenta à história, é totalmente gratuito; algumas das missões para conseguir os pedaços da Alma da Sereia ou são mal desenvolvidos – no estilo “vim pegar o fragmento”, “tá bom, toma” – ou demoram demais, como na quest em que precisam enfrentar sete versões do cantor Prince. Ao mesmo tempo, a missão no planeta inspirado em filmes do diretor John Hughes é um dos melhores momentos da trama, com sua resolução enciclopédica.

No final das contas, “Jogador Número Dois” ainda diverte como ficção científica e cata-piolho (entendedores entenderão) de cultura nerd – porém inferior ao original -, e aposto dois palitos que este será um caso de filme (se houver) melhor que o livro.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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