O último dos andarilhos
Sebastián é “El Loco” porque o futebol não se explica pela lógica, tampouco pela frieza dos burocratas
Não há sequer uma linha sobre Washington Sebastián “El Loco” Abreu Gallo em “História da loucura”, de Michel Foucault. Mas é certo que, fosse “El Loco” mais velho ou Foucault mais jovem, o charrua ganharia ao menos uma nota de rodapé. Não há historiografia da loucura sem Abreu. A agonia é um boneco de ventríloquo sob os pés do uruguaio. Só não se sabe se por vaidade ou paixão. Certamente foi por paixão que, após cerca de 30 anos, retornou à terra natal, Minas, a pequena capital do Departamento de Lavalleja, para encerrar a carreira aos 44 anos. Ele bailou o último candombe na sexta-feira (11) pelo Sud América. Foi-se “El Loco”, mas também o desvario de uma geração inteira de uruguaios.
Seria um erro crasso mensurar “Loco” apenas por virtudes técnicas. É verdade que ser contemporâneo a jogadores como Diego Forlán, Edinson Cavani e Luisito Suárez depõe contra. Mas “El Loco” sabe que o futebol transcende um domínio milimetricamente plástico ou um arremate precisamente técnico. Poucos como ele entenderam que, em última instância, os jogadores respondem aos torcedores. Que o futebol se dá na identificação irracional entre os aficionados e os clubes. Por isso “El Loco” foi um artífice da insensatez por qualquer um dos 31 clubes por onde passou. Do Nacional ao Bangu, do River Plate ao Boston River. Sebastián é “El Loco” porque o futebol não se explica pela lógica, tampouco pela frieza dos burocratas.
Entretanto, o futebol parece não ter retribuído à altura o que “El Loco” lhe deu. Não há como a melancolia da despedida passar despercebida. Não porque o Sud América fora goleado pelo Liverpool por 5 a 0. Mas, sim, porque ele, um andarilho nato, deixa os gramados quando não se pode mais perambular por aí. “El Loco” merecia um Centenário abarrotado para a sua despedida. Fosse o modesto Parque Angel Fossa, do Sud América, que seja. Pois os uruguaios compartilharam com “El Loco” a maior dentre todas as loucuras. O único toque de Abreu na bola durante todo o Mundial de 2010 devolveu os charrua a uma semifinal de Copa do Mundo após 40 anos. O arroubo de loucura fora até ensaiado por Luisito naquela noite em Joanesburgo, na África do Sul, em 2010. Só que a transgressão foi mesmo de “Loco” quando fiou o coração de milhões com uma cavadinha no penal derradeiro.
“Loco” não deixou os gramados para assumir o Ministério das Relações Exteriores de Luis Alberto Lacalle Pou. Poderia, aliás. Até segunda ordem, Abreu será técnico. Afinal de contas, seria pertinente se lançar a campo diante de uma iminente derrota mesmo aos 48 anos. O destino já era ensaiado há algum tempo, é verdade. “El Loco” acumulou a grande área e a casamata nos tempos de Boston River, por exemplo. O último dos andarilhos se vai. Não haverá sequer um estádio inédito ao Uruguai. Ao menos a trajetória de “Loco” denuncia que a inconsequência permanecerá inegociável.