Quem não se posiciona, é posicionado


Por Bruno Kaehler

09/06/2021 às 07h00

Questionado em entrevista coletiva sobre a preparação para o jogo de ontem, contra o Paraguai, diante das críticas em relação à realização da Copa América no Brasil e da denúncia de assédio moral e sexual do presidente da CBF a uma funcionária da entidade, Tite respondeu. “Ela tem sido bastante difícil, porque o momento social é esse. As pessoas acham que temos que ter opinião para tudo. Nós temos que ter capacidade e lugar de fala sobre o que nos diz respeito. É isso o que fazemos com muito amor e paixão. Nós temos dito que temos uma capacidade e inteligência emocionais muito grandes para saber filtrar as situações, ter tranquilidade, sensatez, apesar das provocações que fazem. Claro que atrapalha, sim, é desafiador”, apontou o técnico da seleção brasileira.

Perdoe, Tite, mas não. De fato, vocês não devem ter opinião sobre tudo. Mas precisam se posicionar em assuntos de extrema relevância social como esse. Você, Neymar, Casemiro, Thiago Silva. A constante queda de identidade dos torcedores com a seleção brasileira corre na mesma via do descrédito ao futebol, pelos estádios construídos enquanto não há hospitais suficientes, mesmo que uma coisa não impeça a outra.

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Escrevo essa coluna antes do duelo contra Paraguai e do posicionamento dos atletas e membros da comissão técnica porque não é preciso aguardar o tal manifesto sobre a realização da Copa América no Brasil para ter certeza de que há uma demora agonizante no que verdadeiramente importa. O posicionamento de ícones de milhões de crianças pelo país afora deveria ser obrigatório em um momento tão caótico como o que vivemos no âmbito sanitário. Soma-se isso o caso de denúncia envolvendo Rogério Caboclo. Parece ser requisito ao mandato da entidade máxima de futebol do Brasil se envolver em polêmicas das mais nojentas esferas, para poupar as palavras.

E no meio desse furacão, o que é um jogo contra o Paraguai, chamado de prioridade pelo treinador que tanto respeito, sendo válido por eliminatórias de Copa do Mundo, sobretudo com uma campanha, até então, de 100% e liderança garantida independentemente do que aconteça nessa rodada de terça? É detalhe.

A Copa América não é o maior problema, óbvio. É apenas o escudo de uma bola de neve que começou a se formar com a volta de estaduais e da Copa do Brasil no ano passado, por exemplo, repleta de viagens pelo território nacional; com a realização dos espetaculares campeonatos estaduais, torneios que nem deveriam ser cogitados em plena pandemia.

E vocês, da seleção, influenciadores de novas gerações, representam uma nação, querendo e gostando ou não. Não se posicionar também é escolher um lado. Uma possível decisão de não participar da Copa América virou, ao que tudo indica, um manifesto. Na hora de dar exemplo, preferiram esperar e adiar um posicionamento. E daqui a algumas semanas podem estar posando para a foto do título da Copa América ao lado do presidente da República, com todos sorrindo, vivendo no paralelo mundo do futebol brasileiro. É como sempre ouvi e concordo: quem não se posiciona, é posicionado.

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