JF Vôlei comemora troféu inédito e vê início de resgate de cultura esportiva da cidade

‘Despertou o gigante adormecido’, destacam os diretores Maurício Bara e Heglison Toledo em exclusiva à Tribuna após o título invicto da Superliga B


Por Bruno Kaehler

23/04/2021 às 07h00

A tradição juiz-forana no voleibol é inegável e sempre comentada pelas quadras e ginásios de todo o país. Além da formação de nomes inesquecíveis da modalidade – como Márcia Fu, Giovane Gávio, José Eduardo Bara, André Nascimento e tantos outros -, nas décadas passadas, sobretudo antes dos anos 1990, se respirava voleibol, com arquibancadas lotadas em confrontos até mesmo na base. Muito tempo depois e em uma realidade totalmente diferente, mas com o inédito título invicto da Superliga B pelo JF Vôlei, o torcedor local voltou a se inflamar, mesmo que nas redes sociais. Para os diretores da equipe, Maurício Bara e Heglison Toledo, a animação lembrou os tempos áureos e reforçou os propósitos centrais do projeto JF Vôlei: o desenvolvimento do voleibol entre os jovens e a consequente recuperação da cultura esportiva em Juiz de Fora.

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Esse foi um dos pontos abordados em entrevista exclusiva da dupla à Tribuna após o histórico troféu e o retorno à Superliga A masculina, conquistados nas últimas semanas. Criador do JF Vôlei, Maurício se emocionou com o carinho recebido em uma das temporadas mais intensas de sua vida profissional. Ao lado de Toledo, especialista em gestão esportiva e seu braço direito desde 2012, eles exaltaram o “time que se recusa a perder” e reforçaram a necessidade do pensamento macro das empresas na nova demanda de investimento para reforçar tecnicamente o elenco para a elite, assegurando que o projeto é capacitado cientificamente para obter campanhas de sucesso também na primeira divisão.

Tribuna de Minas: A família Bara é grande, mas nas redes sociais pareceu se multiplicar pela quantidade de mensagens te parabenizando. O quanto abraçado você foi por todos em uma época marcada por tantas perdas e isolamento social?

Maurício Bara: Tive pouco tempo, mas vi várias mensagens e postagens de meus primos e foi tudo muito legal. Comecei a gostar de vôlei por causa deles, foi o caminho inverso. Quando novo, eu ia vê-los jogar vôlei, meu pai me levava. É uma relação diferente. E todos mandando vídeos, se sentindo representados.

A sensação que tive, no geral, é que muita gente viu a partida e se emocionou. Porque eu recebi tantas mensagens, muito fora do comum nos dois últimos jogos. Comecei a responder, mas está longe de terminar. Quero responder um por um. Vi a torcida multiplicando e isso foi uma coisa fora do comum.

Não é que eu não esperava, mas não sabia do alcance nesse cenário, sem ter jogo em ginásio, em um momento desse. Parece que despertou o gigante adormecido, a torcida de Juiz de Fora, por ver a cidade no lugar mais alto do pódio em nível nacional. Fiquei muito emocionado com essa manifestação autêntica.

– Você falou em autorrealização após o título. Pra quem mais você dedica essa conquista?
– Quando eu falo da autorrealização, meu grande objetivo de vida nesse momento é poder ajudar as pessoas cada vez mais. Por isso o apoio aos núcleos, aos jovens nas categorias de base, algo cada vez mais crescente. E, obviamente, estar próximo dos meus filhos no crescimento deles. E o agradecimento nessa hora é para a família. O título vai pra minha mãe Marina, para minha esposa Leiliane, que segurou uma barra muito grande, e meus filhos, a Pietra e o Rafael. Queria que me vissem campeão e assim foi. É uma coisa de pai. Tenho que agradecer a eles pelo tempo que permitiram me dedicar ao voleibol. E para o meu pai (Maurício Gattás Bara), que se foi justamente em 2018, quando a gente começava esse novo ciclo (na Superliga B). Ele tinha uma filosofia de viver um dia de cada vez, sempre falava isso, e transformei em um jogo de cada vez e, na reta final, um ponto de cada vez. E os atletas assimilaram. Ver a filosofia do meu pai em quadra não tem preço. E também para a torcida, para Juiz de Fora. Tenho um orgulho muito grande de o JF Vôlei ter dado essa conquista para cidade que nasci, que me criei, me formei.

– Por tudo o que vocês viveram, este foi o ano mais intenso como diretor do JF Vôlei?
– Foi um ano diferente porque a casa estava arrumada. A verba da comissão técnica estava ajeitada, das viagens também, e a dos salários encaminhada. Tudo muito tranquilo. De repente começaram os problemas. Não tínhamos um lugar pra treinar sem a UFJF e o Sesi. E felizmente encontramos a AABB, onde treinamos mais, e o Tupynambás. Fica um agradecimento ao Edson, presidente, Toninho, vice; e Álvaro, diretor de esportes da AABB; além do Cláudio Dias, do Tupynambás. E depois vieram os jogos longe. Eram cinco viagens, viraram 12. Mexeu com o financeiro, com a estrutura. Todas as incertezas consumiram muito a gente. Tivemos que dividir o elenco em dois para a viagem por conta do cancelamento do jogo contra Brasília, em cima da hora. Foi uma dicotomia. Talvez fosse o ano que estávamos mais organizados. E de repente tudo ficou bagunçado. Não sabia como o time ia reagir, mas os jogadores nunca reclamaram de nada. As vitórias foram ajudando também, mas foi um ano diferente.

– O quão difícil é se fazer esporte em Juiz de Fora?
– Às vezes eu ouço muitas coisas. Eu acho que eu já sou parte da história, convivo com o meio esportivo desde os 5, 6 anos, já ia assistir os jogos da minha família. Não foi um livro de história que me contou, eu conheço a história do esporte da cidade. Às vezes o intitulamos, mas não vejo assim. Não temos a cultura de verdade do esporte. Nos anos 1970 e 80 tínhamos, mas isso se perdeu. Possuíamos duas equipes de voleibol, o Sport e Olímpico, que jogavam entre si no juvenil, e o ginásio ficava lotado. Muito mais que em um jogo de Superliga. Já passei por tudo, já trouxemos seleção russa, australiana, campeão argentino e isso não atrai o público. Às vezes fazemos competição de categorias de base e nem os pais vão assistir.

Me leva a crer que temos uma cultura muito aquém. Mas ao mesmo tempo, tem um gigante adormecido, vendo as reações dos últimos dias dos torcedores. Temos que tentar buscar isso de volta. E vejo uma análise crítica muito maior que há 10 anos, mostrada em alguns comentários, por exemplo, de que agora tem que investir no time. Foi feita a história, o maior título do esporte coletivo da cidade, a primeira equipe invicta a ganhar a Superliga B. A cultura é feita gerando esporte em diferentes naturezas, e temos feito isso aos poucos. Preciso fazer mais crianças jogarem voleibol depois dessa pandemia. E tudo isso impacta. A empresa vê o investimento no esporte como perder dinheiro e não um investimento para uma política social dela com a sociedade. E é isso que vamos tentar fazer agora. Como o título emocionou muito, sinto que podemos mudar esse cenário.

– O quanto doeu não poder jogar em JF em uma temporada tão singular?
– Pensei nisso na final. Que tinha que ter sido em Juiz de Fora. A cidade, mesmo sem público, perdeu uma chance de receber uma final nacional. Perdeu recursos das sete equipes que viriam nos enfrentar. Somos quase a única cidade do mundo que não conseguiu fazer um jogo nesse ano. Ninguém fez força com nosso avanço. A única entidade que me ligou pra fazer o jogo foi a Uniacademia, mas não consegui o piso para o ginásio, e depois entrou a onda roxa. Mas a final tinha que ser aqui. O público não ia, mas teríamos esse elo com o torcedor pela presença da imprensa. Os jogadores mais próximos. Mas vale ressaltar também que os atletas se sentiram bem em Contagem, apesar do cansaço das viagens.

– Como foi ter essa confiança de manter o Marcão por três anos no comando? É sua prioridade como técnico para a elite?
– O Marcão foi peça-chave no resultado final e no processo desenvolvido ao longo dos últimos três anos. É claro que ele é prioridade de renovação. Porque ele foi um cara que me entendeu, e não é fácil isso, desde o primeiro minuto. Quando conversávamos, vi que era muito estudioso. Passei dez dias com ele quando o Henrique (Furtado, ex-treinador do JF Vôlei) foi pro Mundial pelo Sada e vi que ele tinha um craquejo muito grande, ainda como auxiliar, no treinamento e pedi para ficar. Não queria só como treinador, mas também nas categorias de base. Que fosse o treinador desses núcleos esportivos sociais.

Ele entendeu, e as coisas começaram a andar. Desde lá embaixo, capacitando professores e jovens dos núcleos, e com um prazer… E tivemos bons rendimentos desde o primeiro ano com ele na Superliga B. Eu sabia que se desse jogadores de certo nível, daria certo. E o banco de dados que ele tem, sempre tenho que falar isso, é sensacional. Assim pinçamos peça a peça do elenco. Fiquei com um comentário do Thiago (ponteiro) depois do vestiário, de que ‘quem montou essa equipe foi bem demais.’ E eu disse que o papel primordial foi dele. O Marcão é muito mais que um treinador, por todo esse contexto. E é prioridade para renovar, mas claro que pelo mercado pode ser solicitado para outras grandes equipes. Vamos tentar convencê-lo.

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– O que esse time tem de diferente? Por que encaixou?
– Primeiro, a qualidade técnica, é um time de bons jogadores. Segundo, que não reclamaram de nada, foi o ano que menos me estressei com atleta, eu e o Marcão, que está na linha de frente. Nunca tive que parar para conversar com atleta para pedir empenho, falar da importância do projeto. E terceiro, que acreditaram num jovem treinador, compraram a briga do projeto. E, claro, era um time que, apesar de jovem, começou a mostrar que crescia em momentos decisivos. Vi que nos finais de sets levávamos vantagem. Aí vem a preparação física, o Daniel (Schimitz) fez um trabalho brilhante diante de todas as limitações, e a comissão técnica passando tudo com muito estudo. E as vitórias não viraram soberba. O grupo sabia que estava invicto por trabalho, não por grande superioridade sobre as outras equipes. O Dayan falou na preleção que poderíamos ser o time que sobe perdendo a final ou o time vai se recusar a perder. ‘Eu vou me recusar a perder’, ele disse. Esse é o time que se recusa a perder.

– O que fazer de diferente para ter solidez na Superliga A?
Não vou esconder, precisamos de recursos. O resto a gente tem. Temos toda a capacidade de um dia ser campeões da Superliga. Vejo, talvez, diferença em estrutura, mas não em conhecimento. Grandes times nos mandaram mensagens. Precisamos de investimento dentro do time pra juntar com nossa expertise. E de uma casa própria para não depender de ninguém, outra coisa importante. Os jogadores, hoje, querem vir pra cá. Rompemos ciclos. Nossa meta é buscar investimentos para qualificar esse elenco. Manter a base do time e qualificar. Estamos caminhando bem nas leis de incentivo, com recursos humanos e estrutura para viagens, e verba garantida até o meio do ano que vem, com parte em caixa, o que é uma vitória. Mas agora precisamos de patrocínio direto para o salário dos jogadores. Consigo bolsa-auxílio, mas não o salário pelas leis de incentivo. E com as altas de euro e dólar está ainda mais difícil de competir, todos saindo por conta da moeda. Mas sabemos conseguir jogadores com custo-benefício bom. Precisamos de uma verba mínima pra fazer as coisas e fazer esse gigante continuar despertando dentro da cidade para nos aproximarmos das finais, ir aos playoffs, ir chegando. Vamos ver agora se o título vai nos trazer essa possibilidade, apesar do momento, de uma negociação mais direta com as empresas.

Maurício Bara e Heglison Toledo (ao fundo) buscam, agora, recursos para qualificar a equipe por uma sequência e pelo crescimento na elite do voleibol brasileiro (Foto: Douglas Magno/JF Vôlei)

Tribuna de Minas: Toledo, o que o acesso e o título representam tecnicamente para o projeto?
Heglison Toledo: Na minha visão, é a demonstração pública de que todos os processos internos que buscamos deram resultado, principalmente com a liderança do Maurício. Percebemos que o projeto realmente alcançou diversas faixas etárias, públicos, esportistas ou não, mas que se apaixonaram com o evento transmitido na segunda-feira. Isso é muito importante. Sempre falei com o Maurício que não adiantava seguir o processo sem emocionar o público e nada melhor do que a emoção de um título. As pessoas entenderam que o munícipio tem capacidade de possuir um projeto robusto. A população responde muito bem, mas ainda precisamos remar muito porque existem várias etapas para serem vencidas. Lembro que na final da Superliga A, o narrador disse que Taubaté era a capital do voleibol nacional, e eu conheço lá, uma cidade de quase 400 mil pessoas, enquanto nós somos de 600 mil. Sabemos o que falta pra que JF possa se transformar na capital nacional do voleibol, mas pra que isso aconteça, diversas forças da nossa cidade devem congregar.

– O projeto sempre apresentou seu planejamento a médio e longo prazos durante eventos aos patrocinadores e imprensa. Este resultado estava previsto e é fruto desta organização?
– Sabíamos que tínhamos condição. Hoje já possuímos uma maturidade esportiva para compreender o que é uma Superliga A e B. Aquelas apresentações são parte do processo. Qualquer projeto, para que ele tenha sucesso, precisa ter governança, uma ferramenta de transparência de transmitir o que é feito para os patrocinadores, imprensa, todos. O projeto deve ter um conceito, e o nosso é o desenvolvimento esportivo, não só no alto rendimento. O escopo é desenvolver o voleibol. E hoje temos uma solidez que permite isso e chegar nesse primeiro pico que é o título da Superliga B. Para o segundo pico, que é o mais alto, o título da Superliga A, sabemos que há uma distância muito grande, mas, ao mesmo tempo, conhecemos as ferramentas necessárias. Mas nesse primeiro momento está fora do nosso alcance, por isso é importante que todos os setores da nossa sociedade olhem com mais carinho que um projeto com governança, ciência e estrutura pode ser o reflexo de uma cidade como um todo. Normalmente valorizamos o que é de fora, mas a partir desse projeto podemos olhar um pouco mais pra dentro, valorizando nossos profissionais, a formação, voltando naquela questão do conceito. Vamos passo a passo.

– Você dedicou muito esse título ao Maurício, assim como centenas de pessoas pelas redes sociais. Pode falar um pouco mais sobre esse papel dele?
– O Maurício pensa nesse projeto o dia todo. E sempre referencio ele porque concebeu a ideia desde o início. Historicamente era um projeto de extensão da UFJF, que iniciou realizando competições de nível municipal e regional, e depois deu um salto pra nacional. E esses últimos anos foram os mais tensos. Por volta de 2014/15 tivemos prestes a fechar as portas. Pensamos em diversas soluções, até mesmo em parceria com o Flamengo, quase concretizada, e depois com o Sada Cruzeiro. E se não fosse a garra, a persistência, a resiliência e a inteligência do Maurício em resolver problemas, possivelmente não teríamos esse projeto ainda. Ele merece todos os louros. Brincamos que nos falamos mais do que com as nossas esposas. E vamos concebendo o projeto quase que diariamente. Mas a organização mental do Maurício é diferenciada para um gestor. Consegue pensar desde um copo d’água ao macro, sistemas de financiamento, leis de incentivo, negociações com governo estadual, federal e empresas. Dá conta de tudo. E queria destacar o esforço dos atletas e do Marcão. Ele foi diferenciado por compreender a dificuldade do momento. Assim como o Helinho (Zimmermann, supervisor), o Daniel na preparação física, é um somatório. Formamos a família JF Vôlei.

– Há uma segurança maior na continuidade do projeto em relação aos últimos anos?
– Hoje o cenário é confortável no sentido de termos um horizonte. Mas não conseguimos definir se para disputar com grande competitividade ou não a Superliga A. Há continuidade pelas leis de incentivo, além da credibilidade e confiança com as empresas que têm nos apoiado, porque entregamos um aspecto social muito grande, que normalmente não é visto, com os núcleos. O escopo não é a equipe de rendimento, mas sim o cuidado social na formação e no desenvolvimento do voleibol. Podemos não conseguir, por exemplo, jogar a Superliga A pela questão financeira não nos permitir contratar atletas gabaritados pra disputa, mas sabemos que o projeto permanece. Só que temos o caminho. Precisamos, justamente, que as pessoas se mobilizem para que a gente possa representar a cidade no nível competitivo de alto rendimento, que é o que emociona as pessoas e leva o nome de Juiz de Fora a todo canto.

– Hoje vocês captam recursos das leis de incentivo. Para a Superliga A, a captação por patrocínio direto deve ter um crescimento significativo para um time competitivo?
– Sim. Precisamos de uma captação direta, um aporte financeiro significativo para ter atletas de peso, não necessariamente de nome, mas com nível técnico condizente com a competição que é a Superliga A. Isso o Maurício e o Marcão fazem muito bem, essa equipe que foi campeã não tinha nenhum jogador conhecido para o grande público. Essa capacidade de análise técnica, conjunta, é importante porque conseguimos garimpar atletas competitivos. Mas para isso minimamente precisamos dar um salto de duas a três vezes maior do que temos na captação direta.

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