Imunidade parlamentar não pode ferir a democracia

“Haveria situações-limite em que pela própria defesa da democracia a liberdade de expressão ou o direito de livre associação podem ser restringidos?”


Por Daniel Giotti de Paula, Professor, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio e Doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ

14/04/2021 às 07h00

Deputados e senadores, pelo Artigo 53 da Constituição da República Federativa do Brasil, “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Mas essa prerrogativa, chamada de imunidade material, seria absoluta?

Até recentemente, o Supremo Tribunal Federal não havia tido a oportunidade de fixar sua opinião sobre o tema, que toca em uma questão sensível do constitucionalismo moderno: haveria situações-limite em que pela própria defesa da democracia a liberdade de expressão ou o direito de livre associação podem ser restringidos?

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Na história mundial, a Corte Constitucional alemã, em 1953 e em 1956, reconheceu como inconstitucionais o Partido Socialista do Reich (SRP) e o Partido Comunista Alemão (KPD), por haver em seus estatutos propostas contrárias à ordem constitucional liberal e democrática.

Em 2005, Luís Patti, eleito deputado nacional pela Província de Buenos Aires, teve sua diplomação indeferida pelo próprio Parlamento, sob o fundamento de ter cometido graves violações aos direitos humanos durante a ditadura do país e de que sempre fora um detrator da democracia.

Mesmo o Brasil, na década de 1940, por meio do TSE, indeferiu o registro do Partido Comunista Brasileiro por sua proposta de superar a democracia.
Aqui, no estrangeiro; ontem, hoje e sempre, deveria viger o chamado princípio da democracia militante, que, segundo Daniel Sarmento, envolve a “noção de que o estado deve defender a democracia dos seus ‘inimigos’, que não aceitam as regras do jogo democrático e pretendem subvertê-las”.

Os 19 minutos e nove segundos de despautérios do deputado Daniel Silveira, do PSL, além da pretensa ofensa à honra do Supremo Tribunal Federal e das ameaças veladas aos ministros, afirmando que alguns seriam “vagabundos”, “comunistas” e que poderiam sofrer restrição em seus direitos como foi feito no AI-5, desafiaram o Supremo Tribunal Federal a finalmente expressar os limites da imunidade parlamentar.

Por isso, “se a Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5o, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, artigo 60, §4o), com a consequente instalação do arbítrio”, pela própria ideia de uma democracia militante, não podem as opiniões, as palavras e os votos de parlamentares irem ao ponto de proporem a restrição ou a extinção da democracia.

O que muitos, inadvertidamente, em uma leitura descontextualizada da Constituição, sugerem ser uma restrição desarrazoada da liberdade de expressão do deputado, nada mais é do que a percepção de que a democracia pode ser atacada por dentro, como fenômenos recentes em vários países mostram de “democraturas” e “democracias iliberais”, termos cunhados por cientistas sociais para veicular a estranha e possível superação interna de realidades democráticas.

Negociar com as condições da democracia aos poucos é caminho perigoso para se retroceder a um momento no qual os contrários ao regime ditatorial perdiam não somente a voz, literal ou metaforicamente, mas eram torturados e, não raro, perdiam a vida.

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Além disso, defender a democracia é, essencialmente, defender a própria dignidade da pessoa humana, fundamento e valor-fonte do sistema constitucional brasileiro, segundo pensam os constitucionalistas brasileiros e o próprio STF.

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