Celebrar a Páscoa em plena pandemia
“Não basta, porém, a disposição pessoal para a solidariedade: ela é fundamental, mas só uma ação coletiva será historicamente eficaz”
Ao ultrapassar a marca de 300 mil mortes por Covid-19, o povo brasileiro se identifica com o sofrimento de Jesus, sofrimento agravado pela indiferença do Governo federal, mais preocupado em não ultrapassar o teto de gastos do que com a saúde e o bem-estar de nossa gente. Nesta situação, temos que reafirmar nossa Fé na Ressurreição, que celebraremos domingo.
Para não nos deixarmos abater por essa pandemia que parece não ter fim, vamos retomar a mensagem do Papa na Fratelli tutti -FT: a vocação da humanidade é tornar-se uma grande sociedade de irmãos e irmãs.
Depois de emitir um severo juízo de valor contra o egoísmo reinante hoje – quando se coloca a liberdade individual e a propriedade privada como direitos absolutos -, o Papa aponta o caminho da Paz num dos parágrafos mais contundentes da encíclica:
“Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada; diria que algumas vezes a transformamos num palavrão, que não se pode dizer; mas é uma palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro” (FT – 116).
E esta é a mensagem central da FT: “É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas. Com efeito, a paz real e duradoura só é possível a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação” (FT – 127).
Não basta, porém, a disposição pessoal para a solidariedade: ela é fundamental, mas só uma ação coletiva será historicamente eficaz. Daí a importância da política para a paz no mundo. Diz Francisco: “Reconhecer todo ser humano como irmão ou irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. (…) Trata-se de avançar para uma ordem social e política cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT – 180).
Enfim Francisco aponta, sem meias-palavras, o agente principal dessa política vocacionada ao bem-comum: “Os movimentos populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos”. Eles trazem “aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum” e merecem nosso incentivo. Assim “esses movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem” (FT – 169).
E o Papa deu o exemplo, promovendo três encontros com movimentos sociais de todos os continentes. Sigamos seu exemplo, apoiando as iniciativas que nascem dos setores excluídos dos banquetes dos ricos, porque ali está o solo fértil onde crescem as primícias de uma humanidade reconciliada consigo mesma, com a Terra e com Deus. Que a celebração da Páscoa nos confirme nesta fé, esperança e amor a Deus e à humanidade.
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