Entrelinhas


Por Júlia Pessôa

21/03/2021 às 07h00

Geralmente acordo antes das oito e faço questão de dedicar algum tempo a tomar meu café com tempo e, quem sabe, alguma tranquilidade. Balela. Antes que a água esquente, meu isolamento é furado pelas notícias que não permitem que eu acredite que o dia será bom, a despeito do privilégio de poder me resguardar em casa. Como é que se tem qualquer paz onde mais de três mil morrem por dia?

Noto que as pessoas estão murchando. Longe e perto de mim, um infinito jardim de gente que vem desfalecendo, ressequindo, sucumbindo. Das perdas, de doença, cansaço, esgotamento emocional, de medo. Mesmo pra quem, como eu, tem a sorte de estar “bem na medida do possível”, o possível só garante uma existência esmaecida. Como se fosse um holograma da vida.

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Cidades inteiras de pessoas deixaram de existir. Já morreu mais gente do que a população inteira de Governador Valadares, de Ipatinga, de Volta Redonda (RJ) e centenas de outras cidades, quando batemos a marca de 285 mil óbitos, muitos evitáveis. Por dia – eu disse POR DIA – já perdemos mais do que uma Simão Pereira, Chiador, Piau, Desterro do Melo, e tantas outras cidadelas com menos de 3 mil habitantes. Morre-se à espera de leito, de vacina, de que as coisas melhorem. 

Dava para fazer análises riquíssimas sobre como viemos parar nesse estado de não-vida que assola irremediavelmente o país – a despeito do que possam afirmar os cloroquiners. Mas ao contrário de quem tem energia para protestar para garantir a fome alheia, estou sugada, exaurida, esgotada. Então me recolho na pobreza vocabular de entrelinhas explícitas aos olhos um pouco mais atentos.

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