Cassino ou casino?

Até agora, não se sabe quem assinou o termo circunstanciado como proprietário do casino, digo, cassino


Por Gabriel Ferreira Borges

16/03/2021 às 07h00- Atualizada 16/03/2021 às 13h36

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Gabriel não está nos anos 1940 em vias de ir para o Cassino da Urca junto ao Clube dos Cafajestes com Heleno de Freitas, Tim e Otávio (Foto: Marcelo Cortes/Flamengo/Divulgação)

O flagrante de Gabriel em meio à pandemia em um estabelecimento clandestino pouco religioso, mas bem frequentado por cristãos na Vila Olímpia, Zona Sul de São Paulo, é tão condenatório que dispensa embargos. A não ser a grafia de cassino. Afinal de contas, não é que o vocábulo seja dos mais utilizados rotineiramente na língua portuguesa. O dicionário Michaelis, por exemplo, registra o termo com os dois “esses” para remeter à casa ou ao lugar de reunião para jogos de azar, geralmente com espetáculos de música e dança – um tanto quanto démodé, é verdade, diante da temporalidade de crooners como Grande Otelo.

Portugal, por outro lado, mantém a grafia com apenas um “esse”, tal qual a italiana, prática também adotada na língua inglesa. Até que Sérgio Rodrigues lance uma nova edição de “Viva a língua brasileira!” (Companha das Letras), a grafia da língua portuguesa brasileira será adotada por uma questão de honra pel’A palo seco. Honra de que, dizem os boatos lá da Vila Olímpia, Gabriel abriu mão, pois ainda teria sido encontrado pela Polícia Civil sob uma das mesas do camarote do cassino. Aliás, cassino clandestino é uma redundância, já que, ao menos desde 1946, à época do governo de Eurico Gaspar Dutra, a posse do estabelecimento configura contravenção penal – as casas atingiram o auge nas décadas de 1930 e 1940.

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Mas Gabriel não está nos anos 1940 em vias de ir para o Cassino da Urca junto ao Clube dos Cafajestes com Heleno de Freitas, Tim e Otávio. A contravenção penal, por si só, agrava o flagrante, mas a aglomeração diante de recordes diários sucessivos de mortos pela Covid-19 é o que caracteriza a empreitada como moralmente hedionda. Gabriel teria pagado R$ 1.500 para romper a única restrição sanitária inegociável face à pandemia. A julgar pelo comportamento do Flamengo, no entanto, a negligência soa até justificável, já que a diretoria rubro-negra, ao menos até a edição deste texto, se furtou em desautorizar publicamente o comportamento de um dos seus empregados, ao qual, inclusive, paga direitos de imagem.

Entretanto, mesmo diante da irresponsabilidade de Gabriel, há um recorte imperativo. Dentre os 200 abastados, ele e MC Gui foram os únicos expostos a julgamento. Ainda que o jogador receba vencimentos milionários, Gabriel soube, ali, ao ser conduzido para uma viatura policial sob as lentes de dezenas de câmeras, que aquele, historicamente, não é o lugar ao qual pertence. E não há dinheiro ou mesmo idolatria que mudará tal condição. Não se sabe se o atleta é um frequentador do local, mas, a cada dez batidas que a Polícia Civil desse no local, ao menos em nove o jogador sairia como um dos bodes expiatórios. Até agora, não se sabe quem assinou o termo circunstanciado como proprietário do casino, digo, cassino.

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