Espetáculo Das paredes estreia em formato virtual

Primeira apresentação será nesta segunda-feira e terá seis datas até o próximo dia 30; peça é reflexão sobre as paredes reais e metafóricas encaradas pelas mulheres


Por Júlio Black

14/03/2021 às 07h00

Letícia Coura, Tetê Purezempla e Maria Bitarello participam do espetáculo, que mistura teatro, música, poesia e cinema (Foto: Divulgação)

Ser mulher no século XXI continua sendo difícil, muito difícil, e a arte está aí para mostrar as infinitas paredes _ eventualmente reais, e principalmente as metafóricas _ que são erguidas cotidianamente em suas vidas. Essa é a proposta do espetáculo “Das paredes”, que estreia de forma virtual nesta segunda-feira (15), às 20h, por meio da plataforma Sympla e com exibição pelo aplicativo Zoom. No total, serão seis apresentações às segundas e terças-feiras, no mesmo horário, até o próximo dia 30. Os ingressos _ gratuitos _ podem ser reservados no Sympla, que enviará o link para o e-mail da pessoa. São 250 ingressos por data. A peça será realizada após aprovação no edital da Lei Aldir Blanc do Estado de São Paulo, no Proac Lab.

Misturando teatro com música, poesia e cinema, “Das paredes” usa da metáfora e do absurdo para refletir sobre vários tipos de “paredes” que fazem parte da vida das mulheres: aquelas que já vieram prontas, as criadas por elas todos os dias, as que são construídas para elas e por elas próprias. Ao flertar com o absurdo, a peça coloca as mulheres como “tijolas” de uma parede firme e que aparenta ser intransponível, com as personagens discutindo seu papel indispensável _ ou não _ na “parede” em que estão aprisionadas.

PUBLICIDADE

Concepção, direção e texto são de Letícia Coura, que divide o palco virtual com as atrizes-cantoras-instrumentistas Chiris Gomes, Nana Carneiro da Cunha e Tetê Purezempla _ além da jornalista juiz-forana Maria Bitarello, que deixa o lado atriz a fim de executar as composições criadas para o espetáculo. Toda a equipe de produção, aliás, é formada exclusivamente por mulheres, que em algum momento participaram do Teatro Oficina, em São Paulo.

Rasteira da pandemia

O projeto surgiu na cabeça de Letícia em 2016, quando escreveu a primeira versão do texto, inspirada por uma música composta com o mesmo tema. A ideia foi sendo desenvolvida com o tempo até chegar o início de 2020, quando, depois de fazer o processo de leitura, convidar a equipe, agendar um ensaio aberto e marcar a estreia oficial para maio, aconteceu a pandemia e tudo mudou. “O ensaio aberto nem aconteceu. Entramos nesse esquema de isolamento e fizemos algumas leituras pelo Zoom, e no final de 2020 conseguimos ser contempladas pela Lei Aldir Blanc”, conta Letícia. “Começamos então a adaptação para essa linguagem, que muitos discutem se é teatro ou não – o que não discutimos, pois queremos continuar trabalhando.”

A equipe começou a realizar os ensaios diários, novamente pelo Zoom, com o desafio de conseguir manter o formato com as partes musicais. “Essas plataformas audiovisuais têm uma limitação grande em relação ao som, pois você não consegue sincronizar para cantarmos e tocarmos juntas. Fomos tentando possibilidades de vencer esse desafio diário de manter a peça como musical e trazer o universo que criamos como teatro”, explica. “Fomos descobrindo uma linguagem nova com os recursos que descobrimos, cada uma tendo que aprender pequenos mecanismos e truques do Zoom, mas algumas limitações, por enquanto, são intransponíveis. Até encontramos dois programas que diziam que daria para tocar ao mesmo tempo, mas não funcionaram (risos).”

Letícia pontua que seu papel acabou sendo o da pessoa que dá o impulso inicial, porém as vivências particulares das atrizes e da equipe em geral tornaram as possibilidades infinitas. “Cada pessoa traz sua personalidade, suas vivências, subtextos que eu não havia pensado, e coloca isso em cena. Isso ativa as outras a trazerem novos subtextos e a peça se torna uma criação coletiva. Se mudar uma pessoa, já mudaria o espetáculo, pois seriam outra vivências, energias e significados.”

Parte do elenco compartilha o mesmo espaço em São Paulo, enquanto as outras atrizes estarão no Rio e em Curitiba (Foto: Cecília Lucchesi/Divulgação)

Juntas (mas nem tanto) e separadas

Maria Bitarello explica que ela e duas das atrizes (Letícia e Tetê) estão no mesmo imóvel, em São Paulo, mas usando câmeras separadas para manter a proposta do espetáculo. As outras duas estão em outras cidades: Chiris em Curitiba e Nana no Rio de Janeiro. Para tudo funcionar, elas terão o auxílio da videoartista Cecília Lucchesi, que fará a ligação entre trilha sonora e vídeos, pois a peça mistura câmeras, áudios e músicas ao vivo e previamente gravados. “Seria impossível tocar juntas se não tivéssemos pelo menos duas atrizes no mesmo espaço”, afirma Maria, que destaca ainda que o público será orientado antes do início de que pode participar da peça, recebendo um convite para abrir a câmera.

“Viemos de uma prática de teatro (no Oficina) que praticamente contracena com o público também e elimina um pouco a quarta parede”, lembra Letícia Coura. “Com essa questão virtual, a distância com o público ficou maior, sendo que o espetáculo previa a participação dele. Não temos como sentir a reação do público, o que funciona ou não; nesse formato virtual sabemos que o público está ali, mas não sentimos o calor, a surpresa, a risada. É um detalhe complicador, mas que será um charme. Fizemos um ensaio aberto na última segunda-feira (8) e foi uma experiência muito interessante.”

Novo formato, novos sentidos

Quanto ao texto, Letícia Coura diz que pouco foi mudado na adaptação para um novo formato. “O texto pouco mudou, mas, com as primeiras leituras virtuais, um novo sentido começou a aparecer, que não havíamos percebido. O processo do ensaio foi inspirador para esse momento complicado que estamos vivendo, focando não só nas limitações, mas também com a visão de como saímos dessas paredes.”

A sensação da diretora e atriz é compartilhada por Maria Bitarello. “Todo mundo sentiu na primeira leitura como o texto tinha ganhado uma nova força, se atualizado com a realidade pandêmica. Você pode, inclusive, ter a sensação de que ele foi feito pós-pandemia, mas não foi, acabou sendo um desse acasos cósmicos que fizeram com que ele dialogasse com o momento atual.”

O conteúdo continua após o anúncio

Ainda que as seis apresentações ofereçam um total de 1.500 ingressos, Letícia acredita que o formato limita a peça a chegar a todos os tipos de público. “É um pouco frustrante, mas estamos tentando ultrapassar isso explicando como as pessoas podem entrar, o que elas precisam. Virou uma bolha virtual pra quem tem computador, uma internet melhor.”

Vai ter presencial, sim

Por fim, uma questão se faz pertinente: quanto tudo voltar ao normal _ se é que um dia voltaremos à normalidade -, teremos uma encenação no formato tradicional? “No início eu tinha certeza, mas, ao longo do processo de adaptação, cheguei a ficar em dúvida por conta do resultado”, confessa Letícia. “Mas nós não perdemos a vontade de fazer o presencial, pois o texto não foi adaptado para o formato, apenas a montagem. Por exemplo, já existia a videoarte no formato presencial, mas que agora tomou uma proporção muito maior. Sonho muito com essa ‘retransposição’ para o presencial, com lugares que poderíamos encenar, mas teremos que fazer uma ‘transcriação’ para o ao vivo. Estamos com uma vontade muito grande de reencontrar o público.”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.