Poeta Gustavo Goulart lança ‘Interregnum’, seu quarto livro

Volume é um “interlúdio” na carreira do escritor, que ficou sete anos sem publicar


Por Júlio Black

16/02/2021 às 07h00- Atualizada 17/02/2021 às 13h24

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Após um longo processo de concepção, Gustavo Goulart lançou seu quarto livro (Foto: Julia Milward/Divulgação)

“A tudo é necessário um intervalo.” É com essa afirmação que o poeta Gustavo Goulart deixa claro suas intenções logo na abertura de “Interregnum”, poema que também dá título ao seu mais recente livro, lançado no final de 2020 pela editora Ibis Libris. Com direito a texto do poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras(ABL) Carlos Nejar na quarta capa e prefácio do romancista Ricardo Labuto Gondim, o trabalho é o primeiro lançado por Goulart em mais de sete anos, sucessor de “Algum mal & outras pequenas coisas”.
O quarto livro do poeta é marcado pela “economia”: são apenas 13 poemas, um para cada fotografia cedida pelo fotógrafo Fabio Giorgi. Entre memórias da família, amizades antigas e o passado de Minas, “Interregnum” serve de “interlúdio” (que originalmente seria o título do livro e significa composição instrumental com a função de separar partes musicais, litúrgicas ou cênicas) entre o terceiro livro e o quinto, que a princípio seria o projeto a que ele se dedicaria. Mas veio, então, a necessidade da pausa, do respiro.
“Ele marca o encerramento de uma fase antes de iniciar uma nova, com meu quinto livro, que pela primeira vez terá tema único. Mas tinha que haver um quarto, precisei pensar numa ideia para fazer esse intervalo, e aí veio a ideia de ‘interlúdio’, que virou interregno e depois “Interregnum”, explica. “O intervalo acabou vindo num momento em que parei para pensar sobre o que iria mudar na minha vida, pois mudar é jogar tudo para o alto. O que me deu esses sete anos foi um período de vida muito ruim, pois você está mais velho e vai ter que encarar outras coisas, e no âmbito particular foi uma época de perdas de parentes, terminei namoros. O tempo cronológico foi esse, já o tempo de qualidade foi quando decidi qual seria o quarto livro. Mas ele não serve de válvula de escape. Se você perceber que o autor colocou na poesia seus problemas, é um livro ruim.”

Longo processo
Gustavo definiu que o livro daria o seguinte recado para quem já o conhecia: seria um livro divisório, pois o quinto será monotemático. “A princípio, o título seria ‘Interlúdio’. Minha editora sugeriu, então, ‘Interregno’, que tem um sentido maior, como troca de governança, de reis, de administração. Achei muito bom, mas, conversando com o pessoal da ABL, um dos caras falou ‘por que não coloca interregnum, em latim, que tem toda a amplitude de interregno e abarca também interlúdio em português?”, relembra.
Ainda sobre a concepção do livro, houve a conversa com o fotógrafo Fabio Giorgi, e durante o papo surgiu a ideia de ceder os direitos de 13 fotografias de arte urbana, que acompanharia um poema – não necessariamente inspirado pelo registro fotográfico.
Mesmo assim, a concepção de “Interregnum” foi complicada por vários motivos. “Comecei a escrever entre 2015 e 2016, mas fiquei muito insatisfeito com o que estava saindo. Foi um período de perdas familiares, amorosas, decidi mudar de área de trabalho, pois me sinto realizado lançando meus livros”, conta. “Aí chegaram as fotos, lancei um dos meus livros no Rio, tomei contato com a intelectualidade de lá, e tudo isso me deu um gás, acendeu a centelha para recomeçar a escrever.”

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Fazer e refazer
O perfeccionismo também influiu no processo, além dos problemas pessoais e de saúde. “Eu comecei a escrever de forma mais acurada. Terminava o poema, ficava satisfeito, mas aí voltava nele, via que uma palavra encaixava melhor, era algo que não fazia com os outros. Eu voltava no livro já pronto, dei uma dor de cabeça cavalar para minha editora, porque mudava uma palavra, ou o poema todo ou o trocava por outro. Refiz o livro umas três vezes.”
Quando enfim estava pronto para ser lançado, “Interregnum” precisou ser adiado por causa da chegada da pandemia de Covid-19, pois a ideia era fazer um evento presencial. Como a situação não se resolvia, o jeito foi seguir o exemplo de outros lançamentos. “Vimos o pessoal fazendo lançamento em lives e que o modelo havia se firmado no mercado, então eu e a editora ficamos pensando se isso daria impulso para o livro. Em dezembro fizemos um sarau-live para lançar, inclusive com a participação do ator Eduardo Tornaghi.”

Elogios de um “imortal”
Ao pedir a Fabio Giorgi as fotografias para o livro, Gustavo Goulart já impôs para si o desafio de ter apenas 13 poemas em seu interlúdio poético – e impor limites não costuma ser o usual. “A gente nunca sabe quantos poemas teremos num livro. Quando estabeleci 13, sabia exatamente onde queria terminar. O primeiro deles é enorme, e há outros que cabem em apenas uma página. Não queria escrever a vida inteira; ele tem um recado, de que vou parar de escrever de uma forma e terei no próximo uma nova abordagem poética”, afirma. “E com isso ganhei um fator de qualidade, pois quando terminei só precisei revisar esses, ou mudar. Com isso, foi só melhorando.”
Apesar da economia de texto, eles conseguem abranger inúmeras questões, como a família, memória. “Um membro da ABL falou comigo: ‘as particularidades familiares é um tema muito caro a Minas Gerais. Depois do início da extração de ouro, tudo o que a colônia quis fazer foi construir uma estrada para o Rio, e mais nada, e o mineiro ficou isolado pela montanha. Esse isolamento reforçou os laços, o poder das palavras. Em Minas sempre valeu mais a palavra.'”
Ainda sobre a questão do “ser mineiro”, ele pode comemorar a quarta capa com o texto de Carlos Nejar sobre sua poesia. “Ele se ofereceu para fazer, e quem vai querer perder o ‘carimbo’ da ABL? Falei ‘pode escrever’, e ele escreveu sobre Minas Gerais, família, tradicionalismo à maneira de Minas; essa tradição pesada, fechada, onde você tem uma linguagem própria, com mais acento no falar, os costumes, a autoridade da palavra e da moral sobre a força física e o documento escrito, o casamento entre parentes.”

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