Saudade de mim

Por Marcos Araújo

11/02/2021 às 07h05 - Atualizada 10/02/2021 às 22h16

Peguei-me com saudade de mim! Era sábado e, de repente, bateu-me aquela sensação de saudade de tudo que já tinha sido! Não saudade da minha infância, da época de juventude, mas saudade da minha pessoa. Do meu olhar, do meu sorriso, dos meus pensamentos, das coisas que gosto e me fazem ser quem sou. Naquele dia, inesperadamente, percebi que havia um vazio, uma falta de mim.

Quando percebi essa lacuna, tive medo. Será que já não era mais eu? Havia me perdido de mim? Sabemos que a vida nos oferece muitos caminhos para nos perdermos. Tive amigos que se perderam, se esqueceram de quem eram, do lugar de onde vieram, das coisas de que gostavam, do pouco que era necessário para fazer um dia feliz. Não é fácil manter o foco e alguns se sucumbem. Não há julgamentos aqui, apenas constatação, porque cada um sabe o que é melhor para si.

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Diante da minha ausência, primeiro fiquei desesperado com aquele sentimento de estar desabitado de mim mesmo. Depois parti para ação. Era preciso reencontrar-me naquele instante de incerteza. Saber que eu ainda estava ali. Música é algo que diz muito sobre quem eu sou. Não me lembro de nenhum dia da minha vida em que não houvesse música. Ela sempre está presente em algum momento do meu dia. Na busca de mim, recorri a ela.

Abri a gaveta da estante, e lá estavam elas: minhas fitas cassetes gravadas ao longo da vida. Opa! Exagero meu, apenas parte delas. Muitas músicas gravadas através do rádio. Lembrei-me de quando queria intensamente determinada música e ligava para a emissora pedindo que ela fosse tocada. Em seguida, corria para o aparelho e ficava em alerta, com os dedos a postos no play e no rec, esperando os primeiros acordes para gravá-la. Era assim que lá, nos anos de 1990, fazíamos para ter o controle do que queríamos ouvir. Era nossa possibilidade de música portátil. Gravávamos a música e depois tínhamos como ouvi-la na hora que quiséssemos.

Fiz muitas coletâneas gravando direto do rádio, também pedindo a amigos para gravarem o disco de algum artista para mim, ou copiando de uma fita para outra. Eram os canais que tínhamos disponíveis. E quanta alegria isso me dava! O acesso a certos astros da música naquela época não era tão fácil como hoje, quando tudo pode ser feito com um download. Ao revirar a gaveta, achei fitas com miscelâneas musicais. Lado A, com música nacional; lado B, com música internacional. Stevie Wonder, David Bowie, Elvis Presley, Frank Sinatra, Madonna, Bjork, Cyndi Lauper, Legião Urbana, Cazuza, Tim Maia, Marisa Monte e Gal Costa. Todos estavam lá, e como ouvi-los me faz tão bem!

A cada música, um pouco de mim era recuperado. Lembranças de dias alegres, de conversas com amigos, de sentimentos que ficaram represados em cada uma daquelas canções. Aos poucos, aquela sensação de vazio foi se dissipando. Fui me resgatando, reconhecendo meus gostos, meus sentimentos, meu olhar, meu sorriso, minhas esperanças. Ao final da manhã daquele sábado, depois de uma sessão das músicas que sempre gostei, pude voltar a olhar no espelho e saber que ainda estava ali!

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Marcos Araújo

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