No silêncio dos sentidos


Por Lília Gomes Ferreira de Menezes, Jornalista, Mestre em Estudos de Linguagem e pesquisadora do Ayurveda

07/02/2021 às 07h00

Olfato, paladar, tato, visão, audição. Eles são a nossa interface com o mundo externo, nos conduzem a experiências e prazeres memoráveis, dos mais sofisticados aos mais corriqueiros, porém reconfortantes como sentir o aroma e desfrutar os sabores de um café com pão quentinhos pela manhã. Mas os sentidos também podem ser armadilhas que nos aprisionam em hábitos prejudiciais à nossa saúde física e emocional. Alcançar um equilíbrio de poder entre consciência e sentidos nos leva a uma melhor qualidade de vida. Silenciar os sentidos regularmente é prática que nos fortalece nesse caminhar.

Se tentarmos mapear os níveis de exposição dos nossos sentidos ao longo de um dia, vamos ver que estamos sujeitos a autênticas overdoses sensoriais que nos agitam, tiram o foco e a tranquilidade. Logo ao despertar, os perfumes do banho acendem o olfato. Em seguida, entra em cena o paladar para juntos desfrutarem os aromas e sabores do café da manhã. Não raro, a tríade olfato, paladar e audição é acionada em conjunto, quando ainda durante o café da manhã acrescenta-se um dispositivo eletrônico ligado nas notícias do dia ou outras programações que a tecnologia moderna diz colocar a nosso serviço, mas que em doses excessivas intoxicam mente e corpo.
Assim, em um jogo ininterrupto de sedução para experimentarmos o máximo de sensações, consciência e sentidos travam batalhas diárias pelo sim e não, quero não quero, faço não faço… Quando os sentidos estão sempre ganhando as partidas, o desequilíbrio se mostra em quadros de obesidade, ansiedade, estresse e outras patologias.

PUBLICIDADE

Se paramos para analisar o nosso corpo em sua genialidade, percebemos que a inteligência interior ou consciência é programada para nos guiar, alertar e defender dos excessos dos sentidos. A boca diz “quero esse prazer”, e a consciência alerta “não precisamos dele”. Mas, como equilibrar esse jogo convivendo com as poderosas seduções do mundo moderno?

Um ponto de partida talvez interessante pode ser pensar o processo, ou seja, tudo que recebemos por meio dos sentidos precisa ser captado, selecionado e processado pela mente. De certa forma, são alimentos que vão nutrir nossos corpos físico e emocional. A dinâmica do mundo moderno nos induz a um funcionamento semelhante ao de um container gigante. Captamos o máximo de conteúdo (informações, alimentos, sentimentos) e depois sofremos porque não estamos conseguindo selecionar, processar e transformar em algo que faça sentido real para a nossa vida. Olhar para o container transbordando e bagunçado dá uma ansiedade, não é verdade?

Buscar respostas para perguntas simples, do tipo quanto eu preciso ouvir sobre determinado assunto para estar informado e quanto a mais tenho ouvido a ponto de me intoxicar mentalmente por determinado assunto, nos ajuda a renunciar com mais tranquilidade os excessos e a equilibrar as batalhas entre consciência e sentidos. Outras tantas perguntas podem nos apontar os excessos relacionados a cada um dos sentidos.

Silenciar e acalmar os sentidos regularmente é uma chave decisiva para melhorar o equilíbrio e merece atenção diária. É exatamente essa uma das finalidades essenciais da meditação. A boa notícia é que não é preciso se tornar um guru meditador e ficar horas em posição de lótus para alcançar resultados. Algumas mudanças na rotina já fazem efeito: introduzir pausas curtas ao longo do dia para respirar profunda e conscientemente; colocar-se por inteiro em cada atividade, ou, não exigir que o corpo faça uma coisa e a mente pense em outra; deixar-se invadir pelo sentimento de gratidão por tudo que a vida proporciona; ter momentos de conexão com a divindade que nos inspira; escolher ou elaborar pensamentos ou mantras que nos trazem de volta à consciência, à tranquilidade ao equilíbrio.
Enfim, é importante não levar a mente a estágios muito prolongados de fadiga e intoxicação pelo excesso de estímulos sensoriais, pois ela sairá embotada e propensa a autorizar os sentidos a seguir funcionando no modo overdose.

É no silêncio dos sentidos que restauramos a vitalidade da mente, aprofundamos em nosso conhecimento interior, expandimos nossa consciência e nosso poder de renunciar ao excesso de seduções sensoriais que estão prontas a nos enredar a cada dia na sociedade de consumo. É no silêncio dos sentidos que descobrimos as potencialidades do nosso Eu interior. Namastê!

Este espaço é livre para a circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail (leitores@tribunademinas.com.br) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.

O conteúdo continua após o anúncio

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.