Estreia de Regina King na direção, “Uma noite em Miami…” chega ao Prime Video

Adaptação de peça teatral conta história fictícia que reúne Malcolm X, Cassius Clay, Sam Cooke e Jim Brown em um quarto de hotel


Por Júlio Black

22/01/2021 às 07h00

Aldis Hodge, Kingsley Ben-Adir, Leslie Odom Jr. e Eli Goree interpretam Jim Brown, Malcolm X, Sam Cooke e Cassius Clay na estreia de Regina King na direção (Foto: Divulgação)

Os Estados Unidos dos anos 60 eram um barril de pólvora de conflitos raciais prestes a explodir, com a luta pelos direitos civis para acabar com a segregação contra a população negra. Neste contexto, várias personalidades da população afro-americana tiveram envolvimento _ maior ou menor _ no movimento de igualdade racial: o ativista Malcolm X, o boxeador Cassius Clay (depois rebatizado como Muhammad Ali), o jogador de futebol americano – e depois ator – Jim Brown e o cantor Sam Cooke. A forma como cada um vinha lidando com o movimento _ e os conflitos decorrentes dos respectivos posicionamentos _ é o que move a trama do excepcional “Uma noite em Miami…”, estreia de Regina King na direção e que entrou para o catálogo do Prime Video na última sexta-feira (15).

O longa, que teve sua primeira exibição no Festival de Veneza, em setembro, e chegou a alguns cinemas norte-americanos em dezembro, é a adaptação da peça homônima de Kemp Powers (codiretor e roteirista da animação “Soul”, da Pixar), que também assina o roteiro para a versão cinematográfica. A história tem como base um encontro fictício dos quatro protagonistas em um acanhado hotel em Miami no dia 25 de janeiro de 1964, imediatamente depois de Cassius Klay derrotar Sonny Liston e conquistar pela primeira vez o título mundial dos pesos-pesados do boxe.

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Cada um dos protagonistas vive uma situação diferente, como o filme mostra em sua abertura. Se está no auge de euforia ao se tornar campeão mundial com apenas 22 anos, o futuro Muhammad Ali (Eli Goree) quase colocou tudo a perder ao não levar a sério uma luta meses antes; Jim Brown (Aldis Hodge) percebera que ser um astro da NFL não valia nada ao retornar a sua terra natal, a Geórgia, um dos estados mais racistas dos Estados Unidos; Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) vinha do fracasso de uma apresentação em uma casa de shows de público totalmente branco e rico; e Malcolm X (Kingsley Ben-Adir) estava desiludido com a podridão que descobriu no interior da organização Nação do Islã, e pensava em seguir caminho por conta própria via um novo movimento.

Festa estranha

Com o contexto preparado, Regina King reúne o quarteto no hotel para uma noite que deveria ser de festa, mas serve para todos reavaliarem seus papéis e ações diante do cenário conturbado. Mentor de Cassius Clay em sua conversão à religião muçulmana, Malcolm X convenceu o pugilista a levar Cooke e Brown até o hotel para discutir com a dupla o protagonismo que ambos poderiam ter em relação à luta pelos direitos civis, ao invés de se manterem como “entretenimento de gente branca”.

A noite é marcada por diversos conflitos verbais, alguns até físicos, potencializados pelos dramas pessoais de cada um: Cassius Clay ainda está inseguro quanto à sua conversão; Jim Brown está dividido quanto a seguir no futebol americano ou dedicar-se à nascente carreira no cinema; Sam Cooke tem uma preocupação sincera quanto ao seu papel na luta contra a segregação racial, mas ainda acredita que ser um negro bem-sucedido na carreira musical é uma forma de mudar o sistema, como exemplo; e Malcolm X mostra-se uma figura com momentos de insegurança, que acredita em seus ideias e sonha em ter o futuro Muhammad Ali como chamariz para sua futura organização.

É a partir desse cenário que Regina King (Oscar de atriz coadjuvante por “Se a Rua Bale falasse” e protagonista da minissérie “Watchmen”) entrega um grande filme sobre quatro grandes figuras dos Estados Unidos do século passado e sua inserção no movimento pelos direitos civis, sem precisar apelar para momentos explícitos de racismo. A estreia de King na direção é promissora, sem exageros ou inseguranças no comando da produção.

Grandes atuações

O objetivo do longa é mostrar como aquela noite teria mudado seus protagonistas, e, neste ponto, Kingsley Ben-Adir, Leslie Odom Jr., Aldis Hodge e Eli Goree são fundamentais para o sucesso do longa, com atuações capazes de fazer o espectador que conhece as figuras históricas imaginar que ali estão as figuras originais. Um dos pontos altos do filme _ e olha que são muitos _ fica para o conflito entre Sam Cooke e Malcolm X, mas todos os atores têm momentos para brilhar a partir dos monólogos e duelos verbais.

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“Uma noite em Miami…” ganha, ainda, um sentimento de urgência por se passar em um tempo em que tudo mudava muito rapidamente, pois Cassius Clay assumiria seu novo nome e religião no mesmo ano, Jim Brown se aposentaria do futebol americano, Sam Cooke seria assassinado antes do final de 1964 e Malcolm X seria executado por membros da Nação do Islã em fevereiro de 1965. Ainda que seja uma história de ficção, o longa consegue imaginar de forma magistral quais mudanças levaram figuras tão importantes a seguirem novos caminhos e reverem suas posições em relação ao mundo.

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