“A assistente”, com Julia Garner, estreia no Prime Video

Longa de Kitty Green mostra jovem assistente de produtor tendo de lidar com ambiente de trabalho marcado pelo assédio e abuso de poder


Por Júlio Black

15/01/2021 às 07h00

Jane (Julia Garner) sofre com a prepotência do chefe em um ambiente de trabalho marcado pela exploração (Foto: Divulgação)

As denúncias de abuso de poder e assédio (sexual ou moral) na indústria do entretenimento tornaram-se pauta recorrente desde o escândalo com o ex-todo-poderoso produtor Harvey Weinstein, mas não são exclusividade de Hollywood. No Brasil, por exemplo, tivemos o caso de Marcius Melhem na Rede Globo, e, voltando aos Estados Unidos, o tema chegou ao mundo do jornalismo em “O escândalo”, sobre os casos de assédio e machismo na Fox News. Infelizmente, porém, ainda podemos especular que mal chegamos à ponta do iceberg, como é mostrado no excelente “A assistente”, que estreou no Prime Video na última sexta-feira (8).

O drama escrito e dirigido por Kitty Green tem como protagonista Jane (Julia Garner). Recém-saída da faculdade e com o sonho de se tornar produtora de cinema, ela consegue o emprego que pode ser o primeiro passo dentro da indústria: ser assistente de um poderoso produtor audiovisual de Nova York. Porém, é preciso pouco mais de um mês para ela perceber que o sonho, na verdade, pode ser um pesadelo.

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A produção acompanha um dia da jovem a serviço do produtor, que em nenhum momento aparece em cena e do qual ouvimos apenas a voz (ou gritos) e temos contato por e-mails que ele envia à subordinada. Jane é a primeira a entrar no escritório, antes mesmo do amanhecer, pois precisa deixar tudo pronto para o chefe e demais colegas de trabalho: ligar computadores, imprimir documentos mil, abastecer a máquina de xerox, levar água, receber todo tipo de material; e ser a última a sair.

Durante o (longo) dia, ela precisa lidar com a agenda do patrão, reservar voos, hotéis, marcar e desmarcar compromissos, pedir o almoço dos colegas, tomar conta de crianças, lidar com a esposa do chefe e levar os maiores esporros por coisas que não fez, e ainda se humilhar a ponto de escrever e-mails pedindo desculpas. Ao mesmo tempo, é quase invisível para os demais colegas de escritório, que no máximo dizem a ela o que deve escrever para o dono da produtora no correio eletrônico.

Neste ponto, aliás, vale destacar como o filme de Kitty Green poderia trocar o ambiente da indústria do entretenimento por qualquer outro local de trabalho. Jane é a empregada que, contratada para um fim, aos poucos passa a ter que fazer o trabalho de outros, como limpar mesas de reunião, louça dos funcionários, esvaziar cestos de lixo e recolher as provas dos vícios do patrão. Provavelmente, todo mundo tem uma história de abuso e assédio no ambiente de trabalho com o qual poderia se identificar com a protagonista de “A assistente”.

Sem espaço para redenção

O filme de Kitty Green, ao contrário do bombástico e caricato “O escândalo”, não é exemplo de empoderamento ou revolta contra tudo que está aí. Não demora para Jane perceber que não tem como mudar as coisas, que vive num ambiente em que o poder masculino é tão absoluto que se cria uma redoma de proteção involuntária ao chefe assediador – com claras referências a Harvey Weinstein -, o que ela descobre na que talvez seja a melhor cena do longa. A ela cabe a escolha de aceitar as humilhações para – quem sabe um dia – conquistar seus sonhos, ou investir num confronto solitário contra toda uma estrutura de poder, abuso e acobertamento.

“A assistente” tem muitos pontos positivos, que vão do roteiro, fotografia e ausência de trilha sonora em um longa que tem ritmo lento e contido, talvez para reforçar o martírio diário passado pela protagonista em um cotidiano sem distrações ou lazer. Porém, o filme não teria o mesmo poder se não fosse a interpretação excepcional de Julia Garner.

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A jovem atriz, que começou a chamar a atenção em “The Americans” e passou por séries como “Ozark”, “Maniac” e “Modern love”, está em todas as cenas do filme e, apesar de ser a protagonista, é mais a periferia do centro das ações, o para-raios da fúria do chefe. O que torna sua atuação ainda mais difícil e elogiada é o fato de que, como não se trata de um filme de redenção, revolta ou empoderamento, ela permanece impotente durante toda a história. São nos pequenos detalhes, como no cruzar de braços ou no choro visivelmente engolido, na fala contida e baixa, que a atriz entrega uma grande atuação e faz de “A assistente” um filme imperdível para quem é sensível aos abusos no ambiente de trabalho, em especial contra as mulheres.

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