‘Fui salvo pela música e pela poesia’, diz músico Thiago Miranda
Reunindo poemas e canções, Thiago Miranda faz videoálbum em resposta à pandemia, em defesa do isolamento e do fortalecimento de conexões, ainda que virtuais
No início da pandemia, no já distante mês de março, o cantor e compositor Thiago Miranda somava pouco mais de 1.400 inscritos em sua conta no YouTube. Passados quase dez meses, o número saltou para mais de 11 mil. A agenda de todo o ano estava praticamente fechada quando o isolamento social se tornou ordem. Em 15 dias, recorda-se o músico, não havia mais nenhum evento marcado. Na memória, 2020 passa a ser o ano de resistência, resiliência e reinvenção. Para agradecer, Thiago idealizou, gravou, editou e finalizou o videoálbum “Eco central”, disponível em seu canal na plataforma de streaming. “Queria dizer como o amor foi e é imprescindível nesse processo todo”, conta o músico, que reúne poemas de sua autoria e canções próprias ou assinadas em parceria com escritores locais.
Da constatação de um cenário desolador à cobrança por empatia, o trabalho retrata a pandemia sem se render à literalidade extrema. Também não se comporta alheio aos debates. “Vejo que, para várias pessoas, o Brasil está dividido. As pessoas insistem na segregação e não percebem que deveríamos seguir num mesmo discurso. Como com todo mundo, apesar de o trabalho ter aliviado a pressão, o cansaço e o esgotamento mental batem. Quase todos os poemas têm os ecos da tristeza e da insegurança, que são ensurdecedores. Fui salvo pela música e pela poesia. Não foi fácil. Entendo quem tem que se expor, mas me revolta quem poderia evitar e está relativizando ou negando”, pontua o artista, que abre o álbum recitando um texto da escritora Débora Carvalho, com quem é casado. “A gente espremendo esperança aqui dentro, enquanto o verde lá fora continua vibrante”, lê em certo trecho da abertura.
‘Me joguei no on-line’
Com um formato intimista, próprio do período pandêmico, e monocromático, remetendo à ausência de cores do momento, “Eco central” foi todo feito em casa. Nas janelas, placas de borracha preta para escurecer o ambiente e permitir, junto de um jogo de luzes, que o resultado final exibisse apenas o corpo de Thiago e seu violão. “Às vezes estava num take lindo e passava um ônibus na rua e precisava gravar tudo de novo”, lembra, rindo, o músico que precisou aprender, ao longo do isolamento, como manipular programas de computador e plataformas virtuais. “Me joguei no on-line, mas foi um processo contínuo de amadurecimento”, observa ele, que já vinha há alguns anos trabalhando no ambiente virtual. O trabalho nas redes, segundo Thiago, exige tempo e engajamento do próprio artista para se credibilizar com as plataformas.
Hoje, Thiago se mantém vivendo de sua música, mesmo tendo deixado a noite. Seus shows, agora, são mediados por telas. Entre suas atividades estão lives exclusivas para um grupo que atualmente reúne 51 sócios, que ajudam, por meio de assinaturas, a viabilizar financeiramente a vida do músico. “Tem gente do Brasil inteiro, de Brasília, Bahia, Pará e muitos outros lugares”, enumera, contando já ter atingido cerca de 280 mil impressões em uma de suas lives no YouTube. “Sempre reclamei que produzia muita coisa e as pessoas não tinham tempo para ver, se sensibilizar. De repente, por conta de um momento doloroso, vi as pessoas sedentas pelo belo para amenizar as notícias difíceis que víamos todos os dias”, aponta. A nova rotina também exigiu que expandisse o repertório. “Acho que tirei umas mil músicas”, diz ele, cujo último dos aprendizados foi acerca da produção de Raul Seixas, que lhe rendeu uma live de quase cinco horas, na qual também tocou canções de Rita Lee. “Estou ouvindo música como nunca antes”, conta.
‘É utopia achar que vai voltar tão cedo’
“Eco central”, o videoálbum, conta com participações de autores recitando suas criações – Marcia Feres, Jorge Lenzi, Débora Carvalho, Heitor Miranda, Júlia Rocha, Marcelo Espindola, Renata de A. Lopes, Ícaro Renault e Eliana Mora -, alguns deles seus parceiros de composição. O trabalho é inspirado no Cine-Theatro Central, o único ambiente reverberado de que gosta, e foi contemplado pelo edital Janelas Abertas, da Pró-Reitoria de Cultura da UFJF. Esse foi um dos poucos editais em que concorreu. Nos últimos meses, Thiago Miranda diz ter voltado sua energia para potencializar sua atividade nas redes. “Estava alimentando o que considerava sólido e que poderia me dar um retorno financeiro e esquentar minha relação com o público. Crescer minha base de fãs era um passo importante”, afirma o músico, que chegou, inclusive, a ter viralizado alguns de seus vídeos. Um deles, o de um show no próprio condomínio.
Questionado sobre suas perspectivas de retomada de shows presenciais, Thiago não é otimista. “Não temos como precisar. Com a história da imunização mais morosa do que em qualquer outro lugar, e sabendo que nosso país tem dimensões continentais, a perspectiva do trabalho pleno do artista depende de as pessoas poderem se aglomerar. Não tem roda de samba sem aglomerar. É utopia achar que a coisa vai voltar ao normal tão cedo. Por isso invisto cada vez mais no virtual”, pontua, para logo acrescentar: “É o momento de se reinventar. Depender do exercício pleno da música diretamente com o público é dar um tiro no pé.” Com 16 anos de carreira e alguns prêmios na estante, dentre eles o Prêmio da Música Brasileira, Thiago planeja, para depois da pandemia, pegar a estrada num projeto ao vivo, parando para cantar, de cidade em cidade, para as pessoas que aprovaram seu trabalho. “Um sonho distante, ainda”, lamenta. E finaliza: “É hora de criar conexões de forma mais saudável. É isso que vai salvar a gente.”