Pobre Natal
“Então é Natal…” diz a música tão linda quanto recorrente. Mas nunca o “então” causou tanta discussão. É que muitos gostariam que não fosse tão logo, que chegasse após a crise que a pandemia não instaurou, mas agravou. Entre fechar o comércio e reduzir o número de pessoas presencialmente nos cultos e nas confraternizações familiares, pela imposição de um necessário e ainda urgente distanciamento social, alguns chegaram a sentenciar: “Pobre Natal!”. Mas estão se referindo a quê?
O tempo é de incertezas e apreensões, e, por isso mesmo, faz ressoar o anúncio do anjo aos pastores: “Não tenham medo! Eu anuncio para vocês a boa notícia!”. Foi também relembrando essa passagem que o Papa Francisco iniciou sua catequese na Audiência Geral, quarta-feira. E continuou: “O Natal não deve se reduzir a uma festa somente sentimental e consumista, cheia de presentes e felicitações, mas pobre de fé cristã. E também pobre de humanidade. Portanto é necessário refrear uma certa mentalidade mundana, incapaz de compreender o núcleo incandescente da nossa fé, que é o seguinte: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade”. Esse é o centro do Natal. Aliás, é a verdade do Natal.
Já no IV Domingo do Advento, 20/12, ele afirmava: “Para que Jesus nasça em nós, preparemos o coração, rezemos, não nos deixemos levar pelo consumismo. ‘Ah, tenho que comprar presentes, tenho que fazer isto, isto…’ Aquele frenesi de fazer coisas, coisas, coisas… O importante é Jesus. Consumismo: o consumismo, irmãos e irmãs, nos sequestrou o Natal. O consumismo não está na manjedoura de Belém: ali está a realidade, a pobreza, o amor. Preparemos o coração como o de Maria: livre do mal, acolhedor, pronto para receber Deus.”
E, tendo ressaltado o “sim” incondicional de Maria que nos trouxe a salvação, o Santo Padre perguntou: “E nós, quais ‘sim’ podemos dizer? Neste tempo difícil, em vez de nos lamentarmos do que a pandemia nos impede de fazer, façamos algo por aqueles que têm menos: não o enésimo presente para nós e para nossos amigos, mas para um necessitado em quem ninguém pensa”.
Mas foi em seu Discurso à Cúria Romana para as felicitações de Natal, pronunciado na segunda-feira, que o Pontífice foi mais incisivo ao afirmar que “este Natal fica marcado pela pandemia, pela crise sanitária, pela crise econômica, social e até eclesial que atingiu, sem distinções, o mundo inteiro. A crise deixou de ser um lugar-comum dos discursos e da elite intelectual para se tornar uma realidade partilhada por todos.” Mas “quem não olha a crise à luz do Evangelho limita-se a fazer a autópsia dum cadáver: olha a crise, mas sem a esperança do Evangelho, sem a luz do Evangelho”. Enquanto o conflito tem um desfecho sempre desastroso, a crise gera esperança para quem aceita o convite de seguir Jesus.
E novamente insistiu: “Só conhece verdadeiramente a Deus quem acolhe o pobre que vem de baixo com a sua miséria e que, precisamente nestas vestes, é enviado do Alto; não podemos ver o rosto de Deus, mas podemos experimentá-lo ao olhar para nós quando honramos o rosto do próximo, do outro que nos ocupa com as suas necessidades”. E lembrando que “os pobres são o centro do Evangelho”, o Papa Francisco recordou, sem citar o nome, dom Hélder Câmara, que se posicionou em favor do cuidado e da defesa dos mais pobres.
E, assim, o Francisco expressou seus votos: “Se a pandemia nos obrigou a estar mais distantes, Jesus, no presépio, nos mostra o caminho da ternura para estarmos próximos, para sermos humanos. Sigamos este caminho. Feliz Natal!”.