Lia Rezende Domingues estreia na literatura com duas publicações

Nos livros, escritora conta suas experiências na caatinga, em 2019, e os meses de isolamento social com a avó de 91 anos


Por Júlio Black

18/12/2020 às 07h00- Atualizada 28/12/2020 às 21h24

Lia Rezende Domingues publica os livros graças a campanha de crowdfunding, que ainda serviu para financiar seu retorno ao sertão (Foto: Maria Gabriela Matos)

Ao criar nossos próprios caminhos, sem seguir as trilhas deixadas por outros, podemos descobrir novos lugares, pontos finais, pessoas, culturas, até descobrir coisas novas sobre nós mesmos. Ao mesmo tempo, basta não sair do lugar, observar e ouvir o que está ao nosso redor para as coisas, nossos sentimentos e o que entendemos a respeito do nosso ser não estarem mais no mesmo lugar. E é graças a essas andanças e meses de criar novas raízes que a escritora e jornalista Lia Rezende Domingues promove o lançamento neste sábado (19), às 15h, na praça em frente ao Bar du Léo, no Jardim Glória, de seus dois primeiros livros: “Abro-te meus caminhos: contos-diários do meu primeiro sertão da caatinga” _ no formato digital e em audiobook – e “Minha vida com Tê: estudos genealógicos”, que ganhou formato físico.

Os dois trabalhos são frutos de uma campanha de financiamento coletivo virtual (crowdfunding) que a escritora realizou de forma relâmpago entre novembro e dezembro, e que também servirá para que ela retorne ao sertão da Bahia em 2021. Quem participou da campanha poderá pegar o livro físico com Lia neste sábado, assim como os interessados em adquirir o volume, e baixar o outro trabalho no site liarezendedomingues.com. Além disso, “Abro-te meus caminhos” estará à venda na plataforma digital Eduzz (p.eduzz.com/634298), enquanto que “Minha vida com Tê” pode ser adquirido pelo perfil de Lia Rezende no Instagram (@umtemponoespaco).

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Lia Rezende passou quase meses na caatinga baiana, que resultou no livro “Abro-te meus caminhos” (Foto: Reprodução)

Memórias que viraram livros

Os dois livros apresentam momentos distintos da vida de Lia Domingues. “Abro-te meus caminhos” contém as vivências, impressões e sentimentos da escritora durante os quase nove meses que passou no sertão da caatinga, principalmente na região de Canudos (BA); “Minha vida com Tê”, por sua vez, é um relato recente e urgente dos seis meses que ela passou na casa da avó, Therezinha, de 91 anos, já em Juiz de Fora, cuidando da nonagenária nos primeiros meses de pandemia.
Entretanto, até outubro Lia Rezende não tinha a intenção de transformar as experiências registradas em caderno e computador em livro, ainda mais dois. Foi o desejo de retornar ao Nordeste que a fez partir para a campanha de crowdfunding e a transformação urgente dos diários em livros.

“Tudo foi muito intuitivo e rápido. Quando estava saindo da casa da minha avó percebi que queria voltar para o sertão; já estava vendendo algumas coisas, mas que não daria a grana que precisava. Decidi ‘vender’ minhas palavras e comecei a editar as anotações que tinha feito no sertão, mudando os nomes e lugares por onde passei. Então a minha prima (a jornalista e escritora), Maria Bitarello, perguntou se não tinha interesse em publicar o que vinha escrevendo, enviei o ‘Abro-te…’ para ela e já tinha o Igor Visentin para fazer o audiobook. Foi a Maria que sugeriu lançarmos os dois livros”, conta. Em cinco dias, Lia iniciou a campanha de financiamento coletivo, atingindo a meta em pouco mais de um mês. “Foi tudo muito rápido, no esquema ‘a necessidade é a mãe da criatividade’.”

Contando com a bondade de estranhos

“Abro-te meus caminhos” surgiu do acaso de um desenho despretensioso de Lia Domingues: nas suas palavras, “ir para o mato, a roça”. Em 2018, logo depois de concluir o curso de jornalismo na UFJF, ela fez algumas viagens pelo interior de Minas com o dinheiro que vinha economizando. Já em 2019, Lia cumpriu o último compromisso agendado (uma caminhada justamente na região de Canudos) e, mesmo com pouco dinheiro, decidiu “seguir o fluxo”. “Estava com pouco dinheiro, cansada de ficar voltando após essas viagens curtas, decidi que precisava ficar mais tempo fora. Meus pais sabiam que não estava curtindo a vida adoidado, e sim numa busca”, afirma. “Não imaginei que passaria nove meses por lá, a maior parte deles na casa dessa senhora (que ela apelidou de Jaguar), que seriam apenas poucos dias, mas logo virou um mês… Aí fui para outra cidade, onde conheço outra mulher, consigo um emprego, e aí a vida acaba acontecendo”, filosofa.

Segundo livro da escritora resgata os seis meses de isolamento social com a avó de 91 anos (Foto: Reprodução)

A vida com Tê

“Foi um ano de muitas descobertas, nem tanto de prazer e diversão, e muitas vezes me questionava sobre isso, se estava realmente descobrindo alguma coisa ou se estava apenas fugindo de casa. Tanto que, quando fiquei tanto tempo em minha avó, foi para redescobrir minhas raízes, pegar essa ‘Lia do sertão’ e confrontar com a Lia Rezende Domingues, que é de Juiz de Fora”, prossegue a escritora, falando a respeito dos conflitos pessoais que encarou ao retornar à terra natal. “Voltei superperdida, meu dinheiro acaba muito rápido, estou presa na minha mãe sem saber o que fazer, pirei pensando no que tinha feito no sertão.”

Mas então veio a pandemia e a preocupação com a avó, que mora sozinha e tinha quatro mulheres se revezando em seus cuidados _ e, com isso, a questão do contato com quatro pessoas que precisavam ir e vir do trabalho. “Falei pra ela: ‘mulher, quem cuida de família é família’, muito por conta desse espírito sertanejo que conheci, pois lá no sertão ajudei a cuidar de pessoas muito idosas, e lá é a família que cuida das pessoas. Falei que poderia ir pra lá e dar férias para as mulheres, sem saber que ficaria por lá por seis meses cuidando dela. Foi uma rotina cansativa, mas também foi muito difícil me separar dela, saber que ela voltaria a ser cuidada por outras pessoas, mas preciso saber ocupar meu lugar.”

Com Therezinha, foram seis meses de estudos das raízes. O sertão, segundo Lia, ajudou-a a ver que estava negligenciando suas raízes. “Mas foi puxado (risos). Teve essa parte que foi muito legal, de estudar minha genealogia, registrar as histórias da minha avó, pois foi o momento em que me conectei muito com meu feminino, de conhecer as histórias das mulheres que vieram antes de mim e refletir sobre a vida e a morte. Ao mesmo tempo, foi muito doido morar com minha avó depois de ter morado com a Jaguar, foi difícil aceitar alguns jeitos dela, que considerava muito ‘fresca’ (risos), desmistificar algumas coisas a respeito dela, porém também poder viver uma realidade tão segura financeiramente. Morar com ela me ajudou a trazer a consciência de quem eu sou.”

Planos para a volta

Se Lia Rezende precisou recriar raízes depois de tanto tempo longe de casa, agora ela já sente o desejo de se soltar no mundo novamente. Com o sucesso do crowdfunding, ela conseguiu arrecadar dinheiro para mais uma jornada na terra de Jaguar, para onde pretende retornar no início de 2021.

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“A configuração do mundo neste momento está imprevisível, mas pretendo voltar o mais breve possível, provavelmente na segunda quinzena de janeiro. Não sei quanto tempo ficarei, mas volto por vontade de rever as pessoas com quem me envolvi lá. Converso toda semana com Jaguar, e tenho uma vontade muito forte de revê-la. Mas também quero voltar porque o sertão é um conceito muito amplo que me atrai, seja o semiárido, a caatinga, as comunidades tradicionais, a história dessa região, em especial a de Canudos. Como jornalista e pessoa que trabalha com escrita, tenho a vontade de escrever mais sobre essa região.”

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