‘Mulan’ chega ao Disney+ depois de perder ‘janela’ nos cinemas

Versão live-action da animação de 1998 foi adiada por causa da pandemia e tem visual deslumbrante, mas falha no roteiro e empoderamento feminino


Por Júlio Black

13/12/2020 às 07h00

Hua Mulan (Yifei Liu) toma o lugar do pai no exército para salvar sua vida, mas que isso traga desonra à família (Foto: Divulgação)

“Mulan” foi o segundo blockbuster de 2020 a ser adiado por causa da pandemia de Covid-19, poucos dias antes de sua estreia e depois do anúncio do adiamento de “007 _ Sem tempo para morrer”. Após uma série de indefinições e adiamentos, o longa chegou a estrear em alguns países, mas, no Brasil, a produção chegou na última sexta-feira (4) pelo streaming do Disney+ com expectativas mistas. Para o bem e para o mal, tanto os otimistas quanto os pessimistas estavam certos.

Além dos problemas no lançamento, “Mulan” já estava marcado por polêmicas desde o anúncio de sua produção, em 2018, quando a Disney anunciou que a nova versão, ao contrário da animação de 1998, não seria um musical e nem teria o dragão Munshu, que acabou sendo trocado por um pássaro Fênix em CGI que nada acrescenta à história. Para piorar, parte das filmagens aconteceram na província chinesa de Xinjiang, onde a minoria étnica uigure e outros grupos muçulmanos têm sido violentamente reprimidos pelo governo central. Agradecer à província nos créditos pelo apoio às filmagens só piorou a situação.

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Por outro lado, o filme tem seus acertos ao fugir do odioso whitewashing (o costume de usar atores brancos para personagens de outras etnias), com um elenco majoritariamente composto por atores chineses ou de descendentes. E a produção, que tem protagonista feminina, é dirigida por uma mulher, a neozelandesa Nikki Caro, de “Encantadora de baleias”.

Sobra poder, falta roteiro

A história, assim como o longa dos anos 90, é baseado em “A balada de Mulan”, canção tradicional chinesa do século VII, durante a Dinastia Tang. A jovem Hua Mulan (Yifei Liu) vive em um pequeno povoado e deve ter o destino de toda mulher da época: honrar a família ao conseguir um bom casamento. Ela, porém, desde cedo já possuía um poderoso chi (espécie de “força interior”), que as mulheres deveriam sufocar porque apenas os homens, os guerreiros, é que deveriam utilizá-lo.

Enquanto é pressionada pela família a arrumar um marido, chega a notícia que o Imperador (Jet Li) convocou um homem de cada família para formar o exército que irá lutar contra Böri Khan (Jason Scott Lee), que deseja vingar a morte do irmão pelas mãos do soberano e tomar seu lugar no trono _ para isso, ele conta com a ajuda da “bruxa” Xianniang (Li Gong). Como seu pai (Tzi Ma) é o único homem da família e está idoso e doente, Mulan decide substituir o patriarca e se passar por um guerreiro no exército do Comandante Tung (Donnie Yen), sofrendo todos os perrengues já vistos em histórias do tipo, em que precisa passar por situações típicas da caserna ou de quando há apenas homens exibindo doses de testosterona.

Ponto fraco

Com quase duas horas de história, “Mulan” tem entre suas qualidades um elenco que entrega boas atuações, algumas excelentes cenas de ação que chegam a lembrar o clássico “O tigre e o dragão”, além de um visual exuberante que vai da fotografia ao figurino, passando pela direção de arte, cenários e locações. E não deixa de apresentar uma mensagem de empoderamento e feminismo, mas o roteiro é o principal ponto fraco da produção.

Comparar a versão live-action com a animação deveria ser evitado, mas é impossível não lembrar que, no longa de 1998, Mulan precisava suar a camisa para se tornar a melhor guerreira do exército, enquanto que em 2020 o chi facilita tudo ao transformar a protagonista em uma super-heroína que, sem treinamento, é capaz de quase voar, desviar flechas na base do chute e outras acrobacias. Com isso, raramente percebe-se que Mulan precisa mostrar que esforçou-se tanto quanto os outros para ter seu lugar na batalha.

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Além disso, o vilão Böri Khan continua tão unidimensional quanto há duas décadas, o imperador pouco aparece, falta aquele algo mais que justifique as ações dos personagens e a presença de Xianniang, que carrega um passado trágico, serve apenas de muleta para as coisas acontecerem. Ao final, “Mulan” tem seus méritos como aventura e drama, mas deixa claro que Hollywood ainda precisa entender as tradições e culturas milenares de outros povos.

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