Pesquisa da UFJF mostra desequilíbrio na distribuição de áreas de lazer

Estudo aponta concentração na região central e ausência ou escassez nas zonas periféricas


Por Mauro Morais

06/12/2020 às 06h55

A distribuição de espaços públicos de lazer em Juiz de Fora responde a uma lógica que reafirma privilégios e reforça desigualdades. O quadro está descrito por uma pesquisa iniciada há dois anos pelo Laboratório da Paisagem, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, e cujos primeiros resultados foram divulgados esta semana. O artigo intitulado “A territorialização dos espaços de lazer em Juiz de Fora: direito ou privilégio?”, foi publicado no I Simpósio Brasileiro de Cidade, Paisagem e a Natureza, promovido pela Unesp. No trabalho, os pesquisadores Cleyton Luiz da Silva Rosa, Natália Rosa Fantin e Yann Souza Okada identificam 121 espaços públicos de lazer na cidade, 28% deles concentrados na região central, justamente a com menor área territorial. Num retrato da desigualdade da distribuição de tais espaços, enquanto a Zona Norte dispõe de uma área de lazer para cada 528 hectares de território, no Centro há um espaço de lazer para cada 32 hectares.

Vejo um lazer condicionado a um privilégio social. As regiões periféricas têm um número muito pequeno de espaços de lazer. O que nos preocupou é ver regiões com espaço para áreas de lazer, mas sem esses espaços (de lazer). Também identificamos que muitos espaços de lazer estão distantes das comunidades, o que é bastante negativo”, pontua o arquiteto e urbanista Cleyton Rosa, mestrando em Ambiente Construído pela UFJF. Tomando a própria Constituição Federal de 1988, o pesquisador explica a concepção de lazer: “Entendemos lazer como saúde, que se liga a outras pautas. Lazer é um direito. Falar de violência social é também falar de lazer. Uma parte da vida do ser humano é lazer ou, ao menos, deveria ser. Entender o lazer como privilégio é ir contra a todas as teorias de desenvolvimento sustentável e de direitos humanos, uma vez que falamos da possibilidade de se sentir parte de um bairro, de uma cidade.”

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O robusto levantamento utilizou-se da divisão em regiões adotada pela Prefeitura em 2018, quando o trabalho foi iniciado, e investigou a cidade com a ferramenta Google Earth, assumindo diferentes escalas. Também adotou análises pelo Google Street View e, em alguns endereços, optou pela visita presencial. O interesse voltou-se para espaços públicos e abertos de lazer, excluindo, assim, ambientes fechados como museus e galerias. “Queríamos identificar a infraestrutura que estava sendo colocada para essas populações”, observa Rosa, que tem como um de seus méritos a sincronia com a discussão mundial provocada pelo coronavírus e, em específico, o debate público que ganhou a cena na eleição municipal de Juiz de Fora, quando o planejamento urbano tornou-se um dos principais assuntos. A pandemia, para o pesquisador, pautou o distanciamento, reafirmando o humano como um ser, sobretudo, gregário. A tendência, portanto, é que as cidades precisem de mais e maiores espaços públicos de lazer. “As pessoas estão sentindo muita falta de não ter seus espaços públicos. Vejo a população se engajando mais nessa discussão”, concorda a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF Luciane Tasca, líder do grupo de pesquisa Laboratório da Paisagem.

Mapa desenvolvido por estudo confirma desequilíbrio na distribuição dos espaços públicos e abertos de lazer na cidade. (Reprodução)

Vale o quanto pesa?

Em Juiz de Fora, o crescimento populacional não acompanha a ampliação do número de espaços públicos de lazer. A disparidade existe, por exemplo, em relação à Região Sul, que viveu nos últimos dez anos uma ampliação de 15% em sua população, uma das maiores da cidade, mas manteve-se em quarto lugar em número de áreas de lazer. O Centro, no entanto, foi a região com maior ampliação, mais que dobrando seu número de moradores e reunindo o maior volume de espaços. “O que percebemos é que há uma série de deficiências em Juiz de Fora. Percebemos que não há um padrão para a distribuição, o que nos impede de afirmar que está sujeito ao crescimento. Mas é possível ver exemplos que são exceções, de espaços que cresceram e ganharam espaços (de lazer)”, comenta Cleyton Rosa, apontando para um desajuste na paisagem que reflete questões de mercado. As áreas com maior valor de terra na cidade reúnem o maior número de espaços de lazer.

“Quando consideramos o Centro, Mariano Procópio, vemos claramente a relação entre espaços de lazer e valor da terra. Dificilmente espaços com valor da terra alto deixa de ter espaço de lazer. Esse dado é muito precioso, porque cristaliza o privilégio social. Uma vez que grandes empreendimentos utilizam a presença de espaços de lazer como comodidade, é possível afirmar que esses espaços geram valorização”, afirma o pesquisador, explicando que tais cifras representam o quanto as pessoas pagam por um terreno, comprando ou alugando. “Acaba que as regiões com baixo valor da terra e sem espaços de lazer vão se tornando lugares de esquecimento”, lamenta ele, que em seu trabalho de conclusão de curso mapeou a distribuição da população de Juiz de Fora por raça, formando um terrível retrato da injustiça social local, com negros nas áreas periféricas e brancos concentrados num eixo central.

Região com maior concentração de áreas de lazer: Praça do Bom Pastor, bem conservada, é apropriada pela comunidade do entorno. (Foto: Fernando Priamo)

Qual Juiz de Fora queremos?

Para a professora e pesquisadora Luciane Tasca, a pesquisa “traz à tona o problema maior que temos na cidade: a ausência de um órgão de planejamento específico para pensar a Juiz de Fora, seus espaços públicos, seu desenvolvimento urbano e tudo o mais que nos torna cidadãos plenos de direitos”. Passados 20 anos, a extinção do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Juiz de Fora, o Ipplan, cobra seu preço, assegura a estudiosa, lamentando a dispersão das ações comandadas pela instituição no passado. “Falta uma estrutura para pensar a cidade. Temos muitos vazios que poderiam se transformar em áreas públicas e poderíamos cuidar melhor do que já temos, como o próprio Parque Halfeld, muito subutilizado”, analisa.

Como a ecoar, dando substância e complexidade ao debate feito ao longo da corrida pelo principal cargo do executivo municipal, a pesquisa do Laboratório da Paisagem radiografa o presente da cidade com vistas para o futuro. “Será que as pessoas que vivem em espaços que não têm espaços de lazer vão ao Centro para usufruir de espaços de lazer? Deve ser assim? Até quando isso é sustentável? Mais do que respostas, o artigo desperta reflexões”, defende Cleyton Rosa, chamando atenção para a urgência do debate da outorga onerosa, que impõe contrapartidas financeiras às construções de grande impacto. “Conjuntos habitacionais que estão sendo colocados em Juiz de Fora atualmente devem considerar essas questões de infraestrutura”, diz ele. Atual presidente do Conselho Municipal de Política Urbana, representando a UFJF, Luciane Tasca concorda.

“No Compur encerramos o ano com uma série de processos de grande porte, como supermercados, grandes condomínios e acabamos não discutindo os espaços públicos. Está na legislação que é competência do conselho atuar junto da Câmara Municipal para pensar no desenvolvimento urbano, elaborando leis que podem gerar maior qualidade de vida. Isso, efetivamente, não acontece. Infelizmente o Legislativo municipal não tem levado ao Compur projetos de leis complementares. A cidade vai sendo picotada por pequenas alterações, e isso resulta numa cidade sem um pensamento global e integrado, com bairros de muita densidade com carência de espaço de lazer público. Por uma ineficiência da gestão pública ao longo do tempo, sem priorizar aspectos do planejamento urbano, vemos as carências explícitas”, lamenta a professora e pesquisadora.

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Considerado pela Prefeitura como sendo uma praça, trevo no Santa Cecília não integra estudo e está em bairro que, mesmo com crescimento populacional, não comporta nenhuma área de lazer.(Foto: Fernando Priamo)

A crise atual e a crise construída ao longo dos últimos anos, segundo Luciane, serviu para que em 2020 o debate acerca da necessidade de ter cidades eficientes e com qualidade se fizesse realidade. Para isso, explica, é preciso que agentes de diferentes frentes atuem em parceria, construindo, camada por camada, uma infraestrutura ideal. “Quando pensamos na qualidade de vida urbana, passamos pela água, pelo transporte, pela iluminação e por muitos outros pontos, além do espaço público e das áreas verdes”, ensina. E conclui: “Isso não é um aprendizado da escola. Quando aplicado, isso faz termos uma cidade agradável, que cresce junto com a qualidade de vida.”

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