Estudo inédito mapeia atuação da música de Juiz de Fora no digital

A cidade que toca no streaming: Pesquisa “JF Digital – Top Charts” lista os mais tocados e os estilos prediletos dos usuários, defendendo potencial de crescimento local na rede


Por Mauro Morais

13/11/2020 às 06h55

Cem milhões de plays no Spotify são oriundos de Juiz de Fora anualmente. O volume é o bastante para colocar o município num ranking das mil cidades do mundo que mais consomem a plataforma de streaming de música, uma das principais do mercado on-line. O alto consumo também é o suficiente para que os algoritmos do aplicativo se voltem para a cena música local, beneficiando os artistas juiz-foranos. Para isso, no entanto, ainda é necessário que a produção local invista nesse mercado em potencial, aponta a pesquisa “JF Digital – Top Charts”, lançada nesta sexta (13) pelo músico e produtor Luqui Di Falco na plataforma JF Rock City.

Registro de edição do festival JF Rock City, que este ano completa 13 anos e, como plataforma, lança estudo sobre cena musical local no ambiente virtual. (Foto: Divulgação)

Robusto e complexo, o estudo que analisa os dados acena para uma cidade cujo consumo interno ainda está muito aquém do ideal em relação ao consumo externo de música. “Somos um número volumoso de plays. Isso é característica de centros com grande número de estudantes. Entendendo isso, percebemos que precisamos valorizar mais os artistas daqui”, observa Luqui. “Na pandemia, os artistas locais se tocaram um pouco mais sobre a necessidade de abastecer um catálogo no mundo digital. Agora, é preciso mostrar para o público, que não tem que gostar só porque é daqui. A pesquisa mostra a relevância dessa audiência”, define ele, acrescentando que a dimensão da audiência também conforma o tamanho que as produções devem ter para alcançar um desempenho melhor.

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O amadorismo na produção musical, de acordo com ele, ainda é realidade na cidade. “Muita gente ainda não compreendeu como as coisas funcionam. Aqui em Juiz de Fora tem muito artista bom que se sente mal por ter que produzir a própria carreira. Hoje vivemos um novo tempo e todo mundo tem que saber fazer um pouco de tudo”, indica. “Já evoluímos, estamos num cenário melhor. Temos vários estúdios e profissionais capacitados, pessoas fazendo conteúdo de qualidade em vídeo e foto. Está sendo criado um senso coletivo de como as coisas devem funcionar. Existe potencial. O cenário da música ao vivo é muito aquecido, e nosso desafio é fazer isso acontecer no on-line.”

Onze:20, Ana Carolina e Kalli: os mais ouvidos
Onze:20 é a banda de Juiz de Fora mais ouvida na cidade, com 5,5 mil ouvintes mensais locais no Spotify. A lista segue com Ana Carolina (5,1 mil ouvintes mensais) e o fenômeno do rap Kalli (2,3 mil). Quem fecha o top 10 é a banda de forró Só Parênt, com 338 ouvintes por mês na plataforma. A disparidade entre a primeira posição e a décima também é observada em outra listagem: a dos 15 artistas de Juiz de Fora que mais geram plays no digital. Segundo o ranking, Ana Carolina é a artista com mais plays, 1,1 milhão de seguidores no Spotify, 1,3 milhão de ouvintes por mês na plataforma, 1,9 milhão de inscritos no YouTube, e 668 milhões de visualizações. Na outra ponta do ranking está Alessandra Crispin, com 216 seguidores no Spotify, 3 mil ouvintes por mês no serviço de streaming, 915 inscritos no YouTube e 48 mil visualizações.

“Há espaço para o crescimento dos artistas locais”, defende Luqui Di Falco, chamando atenção para nomes que, mesmo bastante ouvidos na cidade, poderiam ter um desempenho superior, como a banda Onze:20. “A própria cidade dá mais plays para o Maneva, uma banda de reggae semelhante ao Onze:20”, aponta o músico, violonista da Acoustic N’ Roll e sócio do Cultural Bar. O crescimento a que se refere o produtor passa, segundo ele, pela compreensão e domínio das ferramentas digitais, fundamentais para o futuro da música no país e no mundo. E diante da pandemia, aposta, a transformação digital foi acelerada. O que antes era necessidade, hoje tornou-se obrigatoriedade. Existir ou não no universo on-line deixou de ser uma questão e passou a ser imperativo para existência.

“Tudo o que fazemos no mundo digital gera um rastro para a empresa dona do conteúdo ou do aplicativo. Na música é a mesma coisa”, explica o produtor. Segundo Luqui, os algoritmos do Spotify cruzam preferências e hábitos para ampliar o consumo e, consequentemente, angariar anúncios e recursos. “O que fez o mercado da música reacender é que, para as plataformas ganharem dinheiro, elas precisam ampliar os plays, fazendo o usuário ficar mais tempo on-line”, comenta ele, pontuando que a construção de audiência na plataforma envolve impulsionamentos só alcançados após um bom desempenho. “Precisamos entrar nas playlists, e isso só acontece com a galera dando mais plays para os artistas daqui.”

Pesquisa inédita pode ser norte para políticas públicas
Inédita, a pesquisa assinada por Luqui Di Falco foi realizada em agosto deste ano, de maneira independente e considera a microrregião de Juiz de Fora, com 33 cidades. Seu lançamento será feito na plataforma de outra produção independente que este ano completa 13 anos, o Festival JF Rock City. O evento este ano realizou uma live e só voltará ao formato presencial em 2021, mas estreia, com financiamento da Lei Murilo Mendes, um portal com toda a sua memória e um canal no YouTube com quatro programas de seis episódios. “Ao invés de sermos só um festival, criamos um canal, e um dos programas vai lançar a pesquisa. O festival pretende ter uma audiência no on-line e também a presença do público, simultaneamente”, observa Luqui, que, além dos dados fornecidos pelo Spotify, utilizou para a pesquisa três ferramentas: Chartmetric, Social Blade e Soundcharts.

Músico e produtor, Luqui Di Falco assina a pesquisa inédita em Juiz de Fora. (Foto: Leornado Costa)

Com o Chartmetric, o produtor pesquisou o que era mais ouvido na cidade e os principais estilos, mapeando as preferências. Partiu, então, para mensurar quem era os artistas e criou um Top 3 de cada gênero. Mas teve dificuldades para chegar aos nomes. “A maioria dos artistas daqui não coloca ser um artista daqui, mas apenas artista brasileiro. Tive muita dificuldade de encontrá-los. Alguns podem não constar por não ter informações claras na rede. Fiz uma busca braçal”, conta ele, que usou o Soundcharts para compreender os artistas locais mais ouvidos na cidade. Luqui escreveu para a plataforma informando sobre a pesquisa e recebeu um acesso premium, o que permitiu uma complexidade maior ao trabalho. Já o Social Blade serviu para entender a performance dos artistas no YouTube.

Com os dados em mãos, Luqui acredita ser possível demonstrar para a mídia, para os investidores e para o Poder Público o impacto que a produção artística gera e o quanto isso pode ser ampliado. “Defendo que a pesquisa seja feita a cada seis meses por dois anos, com uma publicação. O ideal é que o Poder Público esteja junto. Imagino que daqui a seis meses já comecemos a ver um resultado dessa pesquisa, com a possibilidade de um crescimento exponencial e até com novos nomes aparecendo”, aposta.

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‘É uma cidade que ouve muitos estilos’
“Toca aquela”, do MC Novinho com o DJ Tubarão é a música mais tocada no Spotify em Juiz de Fora esta semana. A playlist com as cem músicas mais executadas na cidade, “The sound of Juiz de Fora BR”, segue com “Zona Sul”, do MC Cabelinho, “Finalidade era ficar em casa”, do MC Kevin O Chris, “Tudo amiga”, do DJ Dennis com MC TH, e, na quinta posição, “O sol”, remix do duo juiz-forano Dubdogz para música de Vitor Kley. Com os primeiros lugares dominados pelo funk, a lista inclui a banda Onze:20, na 11ª posição, com “Não dá”, e mesmo Milton Nascimento, em 15º lugar, com “Quem sabe isso quer dizer amor”. Também tem Secos & Molhados, com “Sangue latino”, em 51º lugar, e Chico Buarque na 66ª posição, com “O que será”. Entre os artistas de Juiz de Fora, apenas Dubdogz e Onze:20.

“Essa playlist demonstra como a gente não dá um bom número de plays aos artistas daqui”, sintetiza Luqui Di Falco, que também mapeou os estilos preferidos do juiz-forano e identificou o pop como o preferido, enquanto o rock é o menos executado na plataforma de streaming por juiz-foranos. O pop engloba derivações distintas, inclusive algumas vertentes do funk, cujos artistas locais não foram mensurados pela pesquisa pela ausência de informações nas redes. “A maioria deles não produz para o mundo digital. Basicamente eles reproduzem. Não encontrei nenhum, mas manualmente fui atrás de alguns, que possuem playlists nos perfis e não têm canções autorais”, pontua Luqui, assegurando a potência, a complexidade e a robustez da cena musical de Juiz de Fora, dentro e fora do ambiente digital.

Raimundos na edição de 2016 do JF Rock City. (Foto: Divulgação)

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