A nova Classe C
Com o auxílio emergencial, milhões de pessoas mudaram de patamar social, gerando um desafio para o Governo, porque o benefício termina no fim deste ano
A ascensão de cerca de 15 milhões de pessoas, que deixaram a pobreza, impulsionadas pelo auxílio emergencial, e a queda de renda no extrato social acima indicam que a Classe C, agora, já reúne 63% da população brasileira, alcançando o patamar histórico de 133 milhões de pessoas. Os números foram apontados pelo economista Marcelo Néri, diretor da FGV Social. Segundo ele, o melhor momento tinha sido em 2014, quando alcançou 55,10%.
O próprio economista admite, porém, que tais números são artificiais, pois o auxílio emergencial, que mudou o patamar de expressivo contingente da população, é provisório, devendo, em tese, terminar agora no fim do ano. O desafio é encontrar outros caminhos para manter tal cenário. O Governo acena com outros projetos, mas a área social e a área econômica ainda não chegaram a um consenso.
O programa emergencial foi importante diante da pandemia, que causou o desemprego de milhares de pessoas pelo país afora. Sem ele, o cenário seria muito mais crítico, sobretudo por não haver alternativa para aqueles que ficaram sem trabalho. No máximo, seriam deixados ao relento da informalidade, aumentando ainda mais as dificuldades dos segmentos mais carentes.
Para um país com diferenças tão abissais, não dá para o Governo ficar afastado de programas desse molde. A despeito do discurso liberal do ministro Paulo Guedes, pelo qual o Estado não tem que se meter na vida dos cidadãos, a exceção deve confirmar a regra. Na gestão Fernando Henrique Cardoso, foram dados os primeiros passos por iniciativa da então primeira-dama Ruth Cardoso. Seu projeto foi aperfeiçoado pelo PT, com o Bolsa Família, e o auxílio emergencial é uma versão recente que ora elevou a situação desses milhões de brasileiros. A equipe econômica, a despeito de seu projeto de colocar a economia nos trilhos para gerar recursos para investimentos, não pode desconsiderar as consequências dessa migração.
Quando se promove a ascensão social de camadas da sociedade de menor poder financeiro ou lhes possibilite algum ganho, é possível beneficiar a todos, inclusive ao setor produtivo, com o crescimento do consumo. Quando o nível de pobreza cresce, todos perdem, pois as consequências se apresentam em todas as frentes. Vários segmentos, é fato, estão pagando um preço muito alto pela crise, que já estava em curso antes da pandemia, e viram a situação se agravar com a chegada do vírus, mas seria muito pior se o auxílio emergencial não fosse adotado.
O Governo tem que encontrar meios para reduzir o tamanho do Estado, o que pode começar pela reforma administrativa, que dá os seus primeiros passos no Congresso. Cortar gorduras é um dado necessário, deixar milhares de carentes pelo caminho, não.