20 apresentar 20 álbuns de 1990 – Parte 1

Por Júlio Black

30/09/2020 às 07h00 - Atualizada 29/09/2020 às 15h27

Oi, gente.

Iniciamos esta semana nossa série sobre alguns dos álbuns clássicos lançados em 1990, ano em que o governo Collor confiscou a poupança de milhões de seus cidadãos, destruindo a vida de milhões de pessoas; o time da CBF fracassou diante de Maradona na Copa do Mundo; e teve início a reunificação da Alemanha, um país partido desde a derrota nazista na Segunda Guerra Mundial.

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Quanto à música, 1990 teve uma série de lançamentos que seguem clássicos até hoje. Foi ainda o último ano do domínio do hard rock farofa nos Estados Unidos, se bem que ninguém imaginava que o grunge mudaria todo o panorama do rock no ano seguinte, quando Nirvana, Pearl Jam e outras bandas de Seattle destronaram os medalhões da época.

E a MTV chegou ao Brasil em 1990, mudando a forma de toda uma geração consumir música, ainda que a maioria das rádios seguisse alheia ao que estava acontecendo. A franquia paulista da emissora norte-americana apresentou todo um universo de artistas que seguiriam desconhecidos por aqui se não tivessem dado as caras na telinha da Music Television.

A primeira parte de nossa série vai relembrar ou apresentar para os novinhos, novinhas e quem não tem gênero definido os álbuns lançados por Sonic Youth, The Black Crowes, Happy Mondays, Ride e Bad Religion, que com a graça do streaming são fáceis de encontrar nos dias atuais _ um panorama bem diferente de três décadas atrás, aliás, em que apenas o péssimo sinal em UHF da MTV permitia que tivéssemos acesso à maioria dessa turma.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Sonic Youth, “Goo”
O quarteto de Nova York já havia lançado álbuns como “Daydream Nation”, “Sister” e “EVOL”, mas foi apenas com “Goo”, primeiro trabalho em uma grande gravadora (a Geffen), que a rapaziada conseguiu colocar a cabeça para fora do circuito underground do underground _ mesmo assim, demorando uns seis meses para vender 200 mil cópias do álbum, que teve a 96º posição como melhor posto na parada da “Billboard”.

Até o final de suas atividades, o Sonic Youth sempre foi conhecido como um grupo capaz de altas viagens instrumentais e experimentais (às vezes parece ser apenas barulho, mas só parece), com eventuais suspiros que o aproximariam da mistura de sujeira e pop do grunge _ “Teen age riot” e “Schizophrenia”, por exemplo. Com “Goo”, a fronteira entre o anticomercial e o popular ficou mais tênue graças a faixas como “Dirty boots”, “Kool thing” e “My friend Goo”, porém “Titanium expose”, “Cinderella’s big score” e “Tunic (Song for Karen)” estavam lá para mostrar que a banda seguia fiel às suas origens na noise music, mas com as arestas devidamente aparadas. Discão.

The Black Crowes, “Shake your money maker”
O grunge e o indie rock estavam prontos para tomar o mundo de assalto, mas ainda havia tempo para o rock dos anos 70 ressurgir em alto estilo. O álbum de estreia dos Black Crowes é uma máquina do tempo em que as leis da física são rompidas graças à influência de bandas como Rolling Stones, Faces, Humble Pie, Allman Brothers Band e Aerosmith, mas pegando apenas o que esses grupos haviam feito de melhor.

Os maiores sucessos de “Shake your money maker” foram a versão para “Hard to handle”, do mestre da soul music Otis Redding, e a balada “She talks to angels”, mas a estreia da banda do estado norte-americano da Geórgia tinha muito mais a oferecer ao ouvinte. Estão lá a poderosa faixa de abertura, “Twice as hard”, assim como “Jealous again”, “Thick n’ thin”, “Coul I’ve been so blind” e “Struttin’ blues”.

Acredito que o Sr. Guiducci há de concordar que “Shake you money maker” oferece 43 minutos do melhor que o ótimo e velho rock and roll tem a oferecer.

Happy Mondays, “Pills ‘n’ thrills and bellyaches”
A Inglaterra já havia se rendido ao movimento Madchester com os álbuns de estreia dos Stone Roses e Charlatans, mas o caldo entornou de vez quando o Happy Mondays encontrou o mapa da mina com seu terceiro trabalho de estúdio. “Pills ‘n’ thrills and bellyaches” é um alucinado encontro do rock com a dance music, acid house e black music, turbinada por toneladas de drogas como ecstasy, álcool e qualquer coisa que pudesse deixar o sexteto (Bez nunca fez nada, mas conta como integrante) totalmente fora de órbita.

Se Manchester tinha legado ao mundo a angústia suicida do Joy Division e a depressão pop dos Smiths, depois vieram Charlatans, Stone Roses e (principalmente) os Happy Mondays para colocar a turma para dançar até gastar os joelhos e as drogas acabarem, graças a hits como “Step on” e “Kink Afro”, além de “Grandbag’s funeral”, “God’s Cop” e “Loose fit”.

Infelizmente, a capacidade de Shaun Ryder e Cia. de criar grandes canções era igualmente proporcional ao seu descontrole no uso de produtos ilícitos, e os sujeitos ficaram tão chapados que o álbum seguinte foi um fracasso comercial e ajudou a afundar a Factory Records. O Happy Mondays acabou, Shaun Ryder chegou a montar a ótima Black Grape, depois voltou com a banda, mas aí o encanto e a Madchester já haviam passado – e Shaun passou a ter uma voz igual à daquela senhora que comentava saltos ornamentais no SporTV. Pelo menos ficamos com um senhor disco de rock dançante para ouvir até hoje.

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Ride, “Nowhere”
Nunca estive perto de colocar os pés na Inglaterra, mas imagino que uma das coisas mais legais da terra da rainha é a capacidade de tantos estilos musicais conseguirem conviver pacificamente. Enquanto o Happy Mondays arregaçava as pistas de dança e levava o movimento Madchester ao seu auge, o shoegaze tinha um de seus mais emblemáticos álbuns lançados no mesmo ano.

“Nowhere”, álbum de estreia do Ride, é uma dessas obras-primas não apenas do shoegaze enquanto subgênero, mas também do rock como um todo. O quarteto surgido em Oxford no ano de 1988 caiu nas graças de Jim Reid, do Jesus and Mary Chain, foi contratado pela Creation Records e teve um 1990 fabuloso, pois o disco foi antecipado por nada menos que três EPs lançados no mesmo ano.

Com praticamente todas as suas músicas já gravadas, o Ride precisou correr contra o tempo para produzir coisa nova, e essa pressão resultou em um álbum maravilhoso. “Seagull”, a faixa de abertura, já valeria o disco se ele terminasse por ali, mas ainda levamos de brinde clássicos como “Kaleidocospe”, “Polar bear”, a faixa-título e “Drams burn down”.

E não, não esquecemos do clássico supremo da banda, “Vapour trail”, uma aula de shoegaze em pouco mais de quatro minutos – e que poderia encerrar o Livro Sagrado do subgênero musical se o My Bloody Valentine não lançasse o demolidor “Loveless” no ano seguinte.

Bad Religion, “Against the grain”
Um dos pilares do hardcore norte-americano, o Bad Religion só alcançou o sucesso comercial lá pelos meados dos anos 90 graças a álbuns como “Recipe for hate” (1993) e “Stranger than fiction” (1994), mas discos como “Against the grain” pavimentaram aos poucos seu caminho para o mainstream _ porém sem perder a boca dura para fazer suas críticas políticas e sociais.

Este foi o quinto álbum do Bad Religion, e o terceiro desde a volta do grupo, com 17 pedradas musicais em pouco mais de 34 minutos _ apenas duas músicas tinham mais de três minutos. Passadas três décadas, os fãs das antigas e as novas gerações podem pular e se conscientizar com faixas como a profética “Flat Earth society”, “21st Century (Digital Boy)”, “Modern man”, “God song” e “Turn on the light”, entre outras.

Júlio Black

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