Restrições do INSS deixam famílias desassistidas em JF

Entraves para aprovação on-line de benefícios dificultam vida de quem depende do sistema; Agências de JF seguem fechadas


Por Gracielle Nocelli

18/09/2020 às 07h00

Pessoas que ingressaram com pedido de benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e segurados que dependem da realização de perícia médica para recebê-lo enfrentam uma série de dificuldades para terem acesso aos seus direitos, sendo expostos a inúmeras fragilidades. Há casos em que falta dinheiro para remédios, alimentos e até moradia. Na busca por solução, muitos se aglomeraram nas portas de agências do INSS em Juiz de Fora, na última segunda-feira (14), quando foi divulgado o retorno do atendimento presencial. No entanto, as unidades seguem fechadas.

De acordo com especialistas, os principais gargalos se referem às concessões de auxílio doença, aposentadoria por invalidez e Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência. A Tribuna entrou em contato com a assessoria do INSS, mas não obteve retorno sobre os números de solicitações e concessões feitas na cidade. No país, os pedidos em análise somam em torno de um milhão, segundo a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps).

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A dificuldade em conseguir a aprovação do auxílio doença trouxe uma série de preocupações para a empregada doméstica Carmem Líria Ramos Otoni. Impedida de trabalhar por conta de problemas de saúde, ela está há meses sem renda. “Estou morando de favor e recebendo cesta básica do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social)”, relata. “Tenho uma filha de 3 anos e ela é a minha maior preocupação.”

Para Carmem, o envio on-line da documentação foi uma das primeiras dificuldades para a solicitação do auxílio. “Não tenho acesso à internet. Consegui enviar o laudo médico com a ajuda de amigos, mas não foi aprovado. Estou desesperada porque quem procura o INSS é quem precisa de verdade.”

Unidades em JF, a exemplo de boa parte do país, seguem fechadas (Foto: Fernando Priamo)

Novas regras
Um dos entraves para a concessão foi a criação de novos critérios para a aprovação dos benefícios no ambiente virtual, já que as perícias presenciais não estão sendo realizadas. “As regras mudaram, mas não houve divulgação pelos canais de comunicação do INSS. Há, agora, a exigência de especificidades no laudo médico que, se não forem apresentadas, o benefício não é concedido”, destaca a advogada previdenciária Suelen Cassab.

A especialista explica que as novas regras incluem a redução de valores. O BPC reduziu de R$ 1.045 para R$ 600. Já o auxílio doença foi fixado em R$ 1.045. “Aqueles que foram afastados do trabalho recebendo o valor equivalente ao salário que possuíam tiveram queda na renda.”

Na avaliação de Suelen, além da falta de clareza sobre as novas normas, a dificuldade de acesso à internet e a própria dinâmica de funcionamento do INSS têm prejudicado o auxílio chegar a quem precisa. “Embora o processo on-line seja mais rápido para a concessão do que o presencial, estão ocorrendo muitas restrições”, analisa. “De dois em dois meses, a pessoa precisa passar por todo este processo para assegurar a prorrogação do benefício.”

Direito à aposentadoria é postergado

Quando uma pessoa é afastada do trabalho por motivo de doença pelo período superior a 15 dias, ela tem direito ao auxílio doença, mas caso a situação se torne permanente, pode solicitar a aposentadoria por invalidez, concedida mediante avaliação de perícia médica. A atual situação de restrição à concessão dos benefícios por parte do INSS tem preocupado quem precisa se aposentar nestas condições.

Um desenhista, que preferiu não se identificar, relata que foi afastado do trabalho, em 2018, após infartar. “Comecei a receber o auxílio doença, pensando que seria algo temporário e que voltaria a trabalhar. Neste período, também sofri uma trombose, o que acabou por prorrogar o prazo do benefício. Quando eu retornei ao trabalho, fui demitido.”
Por conta dos problemas crônicos de saúde e da possibilidade de pleitear a aposentadoria por invalidez, ele foi orientado a buscar novamente o INSS. “Comprovei a situação e passei a receber o auxílio novamente, mas, em março deste ano, eu tinha uma nova perícia agendada que não ocorreu por conta do fechamento da agência. Enviei o laudo médico e todas as documentações necessárias pela internet, mas o benefício foi cortado.”

Ele conta que, com ajuda jurídica, conseguiu receber o valor retroativo, mas, novamente, houve corte. “Parece que é um projeto para que eles ganhem tempo. Cada hora cria um empecilho, uma dificuldade, é um processo desgastante”, desabafa. “Essa incerteza se vai receber ou não, sendo que você tem contas para pagar, remédios para comprar é horrível. Você contribui por mais de 20 anos para ter uma segurança no futuro, e o Governo te nega.”

Falhas no sistema
Conseguir a aposentadoria por tempo de contribuição também tem sido um transtorno para uma professora da rede municipal, que não quis se identificar. Para a comprovação do período de quase dois anos em que atuou como contratada, é exigida a apresentação de uma certidão de tempo de contrato com a autenticação do INSS.

A expectativa era de que ela conseguisse se aposentar no final deste ano, mas uma falha no sistema do INSS tem impedido a realização da autenticação. “Eu estava com atendimento agendado para março, quando as agências fecharam. Fiz todo o processo on-line, mas, na hora de digitar o código para a autenticação, não funciona.”
Ela critica a falta de informações por parte do INSS. “Quando você liga no 135, por vezes, recebe orientações equivocadas. Já me falaram para autenticar em cartório, ou seja, o funcionário não entende a particularidade deste tipo de autenticação. Também me orientaram a fazer o acesso durante a madrugada, o que eu até fiz, mas depois de tentar das 1h às 4h30 não consegui. Com isso, a minha aposentadoria vai sendo postergada.”

Aviso afixado na porta da agência não informa quando haverá retomada (Foto: Fernando Priamo)

Reabertura de agências ainda é imbróglio

Após vários anúncios sobre reaberturas das agências do INSS, sendo o último na segunda-feira (14), as unidades em Juiz de Fora seguem de portas fechadas. A situação causou transtornos, conforme explica o consultor previdenciário Anselmo Leopoldino. “Um dos meus clientes é morador de Matias Barbosa e estava com atendimento presencial agendado. Apesar das limitações, ele se deslocou, mas se deparou com a agência fechada. Este tipo de situação causa um constrangimento para quem precisa do benefício e mostra o descaso do Governo com os segurados, que sequer são avisados sobre estas mudanças.”

Segundo ele, a procura por atendimento jurídico por conta das dificuldades para a concessão dos benefícios aumentou muito durante a pandemia. “As pessoas estão sem orientação sobre como proceder diante das negativas que recebem. Mas este problema é estrutural e vem de antes da Covid-19”, afirma. “Este meu cliente entrou com a solicitação para o BPC em novembro do ano passado, o que mostra o descumprimento do prazo de 45 dias para a resposta.”

O conteúdo continua após o anúncio

Na avaliação do especialista, existe um impasse entre o INSS e os servidores que têm afetado diretamente os direitos de quem precisa dos benefícios. “O Governo faz uma pressão para o retorno das atividades presenciais, mas os funcionários temem pela segurança diante da falta de estrutura. Nós sabemos que há um déficit de servidores, por conta da não reposição do quadro após aposentadorias”, avalia. “Diante deste imbróglio, quem mais precisa está ficando desassistido. Esta situação comprova uma ineficiência do Poder Público.”

Falta de condições
De acordo com servidores que atuam nas agências do INSS em Juiz de Fora, o vencimento de um contrato de manutenção de ar-condicionado seria o motivo para que as unidades permanecessem fechadas. Além disso, a forma como o órgão teria se posicionado diante de casos suspeitos de Covid-19 entre os trabalhadores teria gerado insegurança para o retorno presencial. Segundo eles, não foram realizados testes, nem teriam sido adotadas outras medidas de segurança.

A diretora da Fenasps, Viviane Peres, confirma que unidades do país estão fechadas por problemas estruturais. “Além disso, mais de 60% da categoria integra o grupo de risco da doença. Há agências com abrangência de um milhão de pessoas que estão funcionando com cinco funcionários. Ou seja, a população não vai ser atendida.”

Para ela, o reconhecimento automático e on-line de benefícios durante a pandemia deveria ser uma medida de segurança para servidores e cidadãos. “Mas foram criados critérios e especificidades que só restringiram o acesso.”

Segundo Viviane, há o entendimento de que, sem a realização de perícias presenciais, principal demanda de quem recorre ao INSS, não há sentido a reabertura. Na última quarta-feira (16), a Associação Nacional de Médicos Peritos (ANMP) informou que não irá retomar as atividades nas unidades.

A aglomeração ocorrida na última segunda-feira é vista com preocupação. “Há uma desorganização e falta de responsabilidade do INSS ao realizar a reabertura e o agendamento de atendimentos em agências que sequer tinham indicativo de reabrirem.”

INSS
A Tribuna entrou em contato com as assessorias do INSS em Belo Horizonte e Brasílias, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição sobre os questionamentos que foram encaminhados.

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