Velho fantasma
A disparada de preços da cesta básica deve servir de alerta para o Governo, mas a solução não deve sair de intervenções no setor privado, e sim da concorrência
Em meio à pandemia, o brasileiro se encontrou diante de uma discussão que se pensava estar restrita mais aos livros da história recente do país do que na página diária dos jornais: o Ministério da Justiça, convocou donos de supermercados para apresentarem justificativas para o aumento da cesta básica, especialmente do arroz, tendo para isso o aval do próprio presidente Jair Bolsonaro. Liberal por formação acadêmica, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sem saber que a ordem tinha partido de seu próprio chefe, questionou o colega do primeiro escalão, por entender que o Estado não tem que se meter em política de preços do setor privado. A livre concorrência é quem deve regular o mercado. Ainda na própria quinta-feira, o presidente disse que não tem qualquer intenção de tabelamento ou outro tipo de intervenção no mercado.
Nos tempos de inflação sem controle, a convocação dos empresários era uma rotina que funcionava mais como um jogo para a plateia do que solução para os elevados preços. Todos se comprometiam a colaborar, mas a inflação – como se comprovou – não era vencida com discurso. A vida não era fácil, pois os preços oscilavam no decorrer do dia, e as máquinas de etiquetagem eram um instrumento sempre à mão dos funcionários dos supermercados, especialmente.
Numa das várias tentativas para resolver o impasse econômico, a equipe do então presidente José Sarney criou o Plano Cruzado e depois o Cruzado II, que fizeram água já na sua gênese. Os fiscais do Sarney tornaram-se meras caricaturas de personagens que se investiram na condição de agentes da lei, decretando o fechamento de lojas que “abusavam dos preços”. Quem tinha posses ganhava dinheiro no overnight, empregando-o num dia e sacando no outro com grande rendimento.
Tudo mudou na gestão Itamar Franco, quando ele, mesmo a contragosto do indicado, nomeou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. Este montou uma equipe com vários economistas, alguns de planos passados, e saiu o Plano Real. O país mudou, e FHC ainda ganhou a Presidência da República com aval de Itamar. De lá para cá, a inflação foi para os compêndios.
Por isso, quando os preços da cesta básica disparam, a luz amarela se acende, pois quem viveu os tempos críticos da economia sabe como não havia meios de qualquer planejamento, e os que não viveram em tal cenário não têm a menor ideia do que se trata, mas precisam ser alertados para os danos.
A solução, de novo, não pode ser tirada das arquibancadas. A equipe econômica do ministro Paulo Guedes deve se atentar para os fatos e adotar ações preventivas sem, no entanto, buscar – como em anos passados – controlar o mercado com decretos. Os tempos são outros.