Saideira


Por Júlia Pessôa

30/08/2020 às 07h00

Na varandinha apertada em que mal cabem duas cadeiras, tramamos revoluções e previmos catástrofes, sem sabermos que o pior ainda estava por vir – e veio. As piadas sobre a tragicomédia brasileira que antes soavam ácidas ou irreais demais foram acontecendo, uma por uma, enquanto a gente, ainda descrente, contemplava a vista do barranco e imaginava ver ora a praia, ora uma rua badaladíssima, ora um por do sol deslumbrante.  (Tudo telado, para absoluta segurança da gata).

O mundo como a gente conhecia foi se desfazendo, como quando bate um vento besta num dente-de-leão e só sobra o cabo. Até o toque de recolher, um de nossos deboches favoritos, foi instaurado, e agora está todo mundo em casa – ou deveria -, há meses , sem nem meia horinha de respiro. Em tantas outras vezes faltou o fôlego: de emendar uma risaiada sem fim, de acordar num suspiro assustado, de soluçar em meio ao choro, de alergia nesse tempo horroroso ou da asfixia inerente a viver. Mas seguimos: vivendo, respirando, inspira, expira… “vamos pedir uma comida?”

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Que paradoxo, estar tão longe do sol tão no alto, altitude que desafia a capacidade pulmonar de entregadores de delivery- não bastasse o morro, quatro lances de escada. Tinha teto, (quase) todo mundo podia entrar, mas ainda assim, como a da música, “era uma casa muito engraçada”. Ou talvez até nem tenha graça, mas é fato que havia sempre (a) gente (sor)rindo.

Depois de incontáveis saideiras, chegou nossa conta. Mas tudo bem, porque nosso bar está sempre aberto, não importa o dia, tampouco a hora.

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