YouTube é o canal?

Com shows suspensos por causa do coronavírus, artistas investem em lives e vídeos direcionados para o YouTube


Por Júlio Black

16/08/2020 às 07h00

Uma das principais características da internet é a volatilidade e a efemeridade. Nem falamos de memes, modas (quem se lembra do “Harlem shake”?) e hashtags, mas principalmente das formas de interação social. Em pouco mais de duas décadas, a rede mundial de computadores já viu surgirem e desaparecerem ou serem relegadas a segundo plano modas como o mIRC, ICQ, Orkut, MySpace – ok, este quase ninguém usou, mas pagaram bilhões de doletas num lance que nasceu morto – e tantas e tantas outras.

O YouTube, por exemplo, foi lançado há pouco mais de 15 anos e virou febre; (quase) todo mundo passou a compartilhar vídeos dos mais diversos, incluindo os pessoais, mas com o tempo surgiram outras redes sociais e ferramentas que facilitaram a vida do usuário, como os Stories e o IGTV no Instagram, Tik Tok etc. A empresa sediada no estado americano da Califórnia continua com seu valor, principalmente entre os youtubers. Porém, na área da música, por exemplo, a interação se dava principalmente nas redes sociais – além do Instagram, o Facebook; o Twitter, nem tanto.

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Mas o jogo mudou, pelo menos um pouco. Com a pandemia de Covid-19, shows presenciais foram cancelados, e aí todo mundo correu para a internet e suas milhares (milhões, talvez?) de horas de lives. Talvez o Instagram tenha saído na frente, mas aos poucos os artistas foram vendo que o “VocêTubo” tem suas vantagens – fidelização do público, maior “vida útil” dos vídeos, a chance de conseguir novos inscritos na base dos algoritmos de busca e a oportunidade de faturar uma grana – basta ver os shows superproduzidos e patrocinados que têm rolado por aí.

Em Juiz de Fora, vários nomes da música local já perceberam que o YouTube pode até não garantir aquela grana, mas em termos de fidelização, formato e conteúdo, é uma ferramenta que pode render frutos no presente e no futuro. A Tribuna procurou três artistas de gêneros diferentes para conversar sobre o tema: Thiago Miranda, Caetano Brasil e Nelson Dias, da banda 3Dias. Cada um com ações diferentes, mas que têm rendido, pelo menos, o crescimento expressivo da base de inscritos em seus respectivos canais.

Sempre de olho na internet

O cantor e compositor Thiago Miranda conta que sempre teve como uma das metas ampliar seu campo de ação na internet, e a pandemia fez com que investisse ainda mais. Tanto que, desde março, ele conta ter passado de 1,4 mil para 4,33 mil inscritos em seu canal no YouTube. uma das formas de garantir o crescimento no total de inscritos são as lives comemorativas que ele realiza a cada vez que atinge mil novos seguidores, a última delas realizada em 25 de julho.

“Com o isolamento, comecei a trabalhar pesado nisso, até porque afetou minha agenda. Antes eu lançava semanalmente o ‘Ao vivo em casa’, e em um ano havia conseguido 400 novos inscritos. Comecei com lives temáticas na pandemia, e deu tão certo que, ao longo de três meses, quase tripliquei o total de inscritos”, comemora. “Hoje tenho gente de todos os estados acompanhando os shows e mais de 1.500 pessoas conectadas comigo no WhatsApp para serem avisadas quando houver show. Em pelo menos um deles tive mais de quatro mil visualizações.”

Outra questão pensada por Thiago durante a pandemia foi como transformar o crescimento de seguidores em retorno financeiro. Pelo que observou, apostar na contribuição voluntária “funciona até a página 2; a pessoa contribui pontualmente, mas tem a barreira de haver uma geração que não tem muita intimidade com a coisa do pagamento on-line, pessoas mandavam mensagens querendo contribuir mas com medo de pagamento virtual, pediam para emitir um boleto. Então lembrei que muitos canais no YouTube têm um ‘clube de membros’, pelo qual o pessoal paga um valor mensal para encontrar com eles, conversar.”

O cantor e compositor pensou em se valer da ferramenta, mas então veio o obstáculo e a solução. “Vi que o ‘clube de membros’ do YouTube só é habilitado a partir de 30 mil inscritos, e demoraria muito. Pensei em criar por iniciativa própria e fui jogando essa ideia nas lives, perguntando pra galera. Seria um valor parecido com o da Netflix (R$ 32,90). Lancei em junho e já tenho 20 membros participando.”

Mirandaflix

Quem se interessar pelo serviço tem a opção de adquirir no primeiro mês o pen disc de Thiago Miranda (R$ 59,90 com a mensalidade gratuita) e pagar os R$ 32,90 a partir do segundo mês, ou apenas o valor da assinatura logo de início. “Entre os benefícios estão lives exclusivas (domingos, às 17h) nos links privados no YouTube. Criei uma página com senha no meu site (thiagomiranda.com.br) para compartilhamento de material exclusivo que o público pode colocar no pendisc, incluindo uma música inédita pra baixarem. As pessoas podem ainda pedir músicas nas lives, gravar vídeos que serão exibidos na apresentação. Vou colocar os nomes de cada um nos agradecimentos, pois eles estão virando mecenas, apoiadores, sócios morais”, destaca. “Está pequeno ainda, mas é uma realidade que pode dar retorno se os artistas começarem a ver dessa forma.”

Entre as possibilidades que Thiago vislumbra para o futuro estão abrir um link no aplicativo Zoom para aumentar a interatividade com o público durante as apresentações exclusivas e ainda apresentações ao vivo nas casas dos fãs, nas cidades com mais assinantes. Além disso, ele pretende manter as lives comemorativas para todos a cada mil novos inscritos e segue com as lives no Instagram (@thiagomirandajf) às terças e quintas-feiras.

Sobre o investimento nas plataformas digitais, ele analisa as diferenças entre elas. “O YouTube, pelo que pude observar, é a melhor plataforma para ter a melhor experiência; mas, para se aproximar do público, é o Instagram, porque quando você entra ao vivo já tem que estar conectado. O YouTube já seria o próximo passo para a fidelização, pois quem se inscreve recebe a notificação”, diz.

“O Facebook e Instagram são melhores para divulgação. Quem está começando deve ir nas lives dos dois e aí divulgar o canal no YouTube, até porque lá é preciso ter mil inscritos para poder fazer live. Depois passa para o YouTube, em que você pode monetizar, e à medida que vai tendo um público, a própria plataforma ajuda, recomendando o seu canal. Aí, aos poucos, quem não te conhecia acaba por assistir.”

Com o apoio dos seguidores

Quem também tem investido no YouTube e apostado no apoio financeiro dos fãs é Caetano Brasil, um dos mais destacados nomes da música instrumental em Juiz de Fora. Ele conta que criou o canal em 2015, sem grandes pretensões, e passou a investir mais na plataforma quando começou a trabalhar com a Sinfônica Produções, que faz o gerenciamento de sua carreira.

Mesmo assim, as ações costumavam não ser tão frequentes. “Houve épocas em que postei com frequência, como durante a série ‘Conversa de improviso’, em 2018, que era semanal, e depois segui ocasionalmente; mas nada como agora, em que posto dois vídeos por semana (quarta-feira e sábado). E essa ‘acelerada’ no ritmo foi em função da pandemia, a fim de expandir o contato on-line com meu público, já que os shows foram cancelados, e de pensar também em novas formas de subsistência neste momento.”

Caetano tem focado em vídeos didáticos, falando sobre improvisação na linguagem do choro e da música instrumental. Tem ainda a série ‘Chorando a sós’, em que o músico faz montagens tocando consigo mesmo, e outras iniciativas, como vídeos explicando o processo de composição, bastidores e a ’50 fatos sobre mim’, cujo conteúdo ele distribuiu parte no YouTube, parte no Instagram. “E também temos as sugestões do pessoal que faz parte da campanha do apoia.se”, acrescenta.

 

Caetano Brasil mantém seu canal no YouTube em atividade com duas postagens semanais, entre elas da série “Chorando a sós” (Reprodução)

Financiamento continuado

A campanha de financiamento continuado (em apoia.se/caetanobrasil) coincide com a pandemia, mas veio inicialmente pelo fato de a política de monetização dos canais no YouTube ser, de acordo com ele, “muito ingrata com canais pequenos”. “Para você ter a chance de monetizar, tem que ter mil inscritos e quatro mil horas de exibição pública nos últimos 12 meses, o que é muito difícil alcançar. Quando comecei a corrida para os mil inscritos, eu tinha 400 horas”, exemplifica.

Caetano acrescenta que ele e a Sinfônica Produções buscavam uma forma de rentabilizar o trabalho que dá produzir para o canal. “Nada mais justo que buscar uma remuneração para isso, e como é uma realidade muito distante monetizar pelo YouTube, pensamos nessa campanha, que tem funcionado muito bem, e que a gente pretende manter pós-pandemia.”

No caso da campanha do músico, o valor mínimo de contribuição é de R$ 5, com outras cotas sugeridas e o fã podendo, ainda, estipular valores com que deseje contribuir – o que já permitiu a ele melhorar a estrutura, com aquisição de equipamento de iluminação e um tripé para celular. Segundo Caetano, cada cota oferece recompensas, que são cumulativas e começam com agradecimentos especiais nos créditos de todos os vídeos do canal, curadoria do canal (oferecido na ferramenta de “amigos próximos” no Instagram) e outros conteúdos exclusivos. “O designer Renan Torres está desenvolvendo artes especiais para que façamos sorteios para os apoiadores e também atrair a atenção de outras pessoas. É uma forma de fortalecer nossa rede, pois sem o público somos nada.”

O conteúdo continua após o anúncio

Dobro de seguidores

Se passou a reinvestir no YouTube nos últimos meses, isso não fez com que Caetano abandonasse as outras redes sociais, no caso, Facebook e Instagram. Como observa, cada rede social tem sua linguagem e há quem o acompanhe em apenas uma rede, mas elas possuem intercessões entre o público que precisam ser valorizadas. “O meu maior campo de ação é o Instagram, onde bati dez mil seguidores e tem mais gente interagindo. Mas os conteúdos são diferentes, no Instagram eu mostro mais minha rotina diária, faço muita interação nos stories, compartilho as postagens principais no feed do Facebook, e para o YouTube tenho produzido as séries específicas”, diz.

“É mais uma ferramenta de contato com o público, onde tento oferecer um tipo de conteúdo que dialoga com a linguagem específica dessa rede. E existe um público que é (próprio) do YouTube. Há pessoas que têm a dinâmica do ‘buscador’, que assistem aos vídeos mas não te seguem. O YouTube é como o Google, você procura sobre ‘choro’, ‘Caetano Brasil’, ‘música instrumental’, e existe a chance de você passar por um vídeo meu com essas tags.”

Diferentes plataformas

Caetano sublinha essa diferença entre as plataformas pela forma com que cada material é produzido. “Quem acompanha no Instagram está interessado num tipo de conteúdo que não é longo; o IGTV, por exemplo, é uma ferramenta criada para concorrer com o YouTube, mas não dá conta. O Instagram está mais centrado no Stories, que é onde tenho a maior interação, e são 15 segundos, vou falar coisas pontuais, em 24 horas vai sumir. No feed cabe vídeo de um minuto, e no YouTube posso postar vídeos mais longos, falar por mais tempo, e isso impacta a forma de produzir”, analisa. “Tento me adequar ao jogo de cada mídia social.”

Depois de retomar seu canal, banda 3Dias chegou rapidamente a 2,5 mil inscritos, e live teve quase 20 mil visualizações (Reprodução)

Demorou, mas investiram

O vocalista e guitarrista Nelson Dias, da banda 3DIas, confessa que os integrantes do grupo não davam a devida importância ao canal no YouTube e só perceberam isso uma semana antes da primeira live na plataforma, em junho. “Nos demos conta de que não tínhamos login e senha (da conta). Nunca havíamos postado nada, e todo o material disponível havia sido postado pela nossa antiga gravadora. Entramos em contato e conseguimos ter acesso a informações como mensagens não respondidas, grande número de visualizações nos vídeos, fãs de todo o Brasil e até do exterior. Foi uma surpresa”, confessa.

Apesar de não ter se preocupado com o canal durante todo esse tempo, a 3Dias tem vídeos que ultrapassaram a marca das 100 mil visualizações; por outro lado, Nelson diz que o número de inscritos era baixo, mas que tem aumentado de forma impressionante. “Com a primeira live e um trabalho forte nas redes sociais, saltamos de 500 para mais de 2.500 inscritos. O número de horas visualizadas dos nossos vídeos também cresceu com essa divulgação, o que fez com que nosso canal fosse monetizado”, destaca.

A resposta do público à primeira live (mais de 18 mil visualizações) e o crescimento de inscritos fez com que o grupo desse um “reset” nos planos para o YouTube, ainda mais com a falta de previsão de shows no futuro próximo. “Além do segundo especial ao vivo (realizado na última sexta, 14), estamos preparando outros vídeos exclusivos com entrevistas com amigos músicos e papos sobre outras das nossas paixões além da música, como gastronomia e cinema”, antecipa. “Fomos convidados para tocar nesse esquema de drive-in, mas não ficamos muito animados com a ideia. Percebemos que o nosso canal no YouTube é a melhor plataforma para nos mantermos ativos e produtivos durante esse período, e até mesmo quando a ‘normalidade’ voltar. Se voltar.”

Redes complementares

Assim como Caetano Brasil e Thiago Miranda, Nelson Dias vê Instagram e YouTube como plataformas complementares que – ainda que tenham materiais diferentes – acabam por interagir. Ele cita que a live de junho rendeu dois vídeos para o IGTV do Insta, mas com chamadas para o canal no YouTube. “É lá que podemos colocar um show na íntegra com qualidade de áudio e vídeo. O YouTube é a nova TV. Sempre li isso, mas achava algo distante. Com o tempo, eu mesmo já chegava em casa e ligava a TV da sala no YouTube. Assisto só o que me interessa, e o algoritmo passa a me oferecer cada vez mais daquilo. É demais!”

Para Nelson, o desafio imediato é criar uma rotina de postagem de vídeos dentro de um necessário padrão de qualidade. “No caso das outras redes sociais, vejo que acabam sendo algo mais pessoal. Sem juízo de valor, estão mais relacionadas à vaidade. Tratamos o YouTube como algo profissional, um espaço onde as pessoas podem conhecer nosso trabalho e, aí sim, incluir nossas músicas em suas playlists nas plataformas digitais ou seguir a banda no Instagram, Facebook e Twitter. Também percebemos um ambiente mais cordial (no YouTube); parece que, ao contrário das outras redes sociais, quem não gosta de você não vai lá te ofender, simplesmente te ignora.”

De olho nas possibilidades de monetização do YouTube, os três irmãos seguem estudando, entendendo e aprendendo como funciona a plataforma. “Na primeira onda de lives (odiamos essa palavra, por isso sempre usamos ‘especial’ ou ‘transmissão ao vivo’), as pessoas acreditavam que bastava mil inscritos pra monetizar o canal, mas não é bem assim. Existem vários outros critérios, como quantas horas as pessoas passaram assistindo seus vídeos nos últimos 28 dias, então isso torna a questão da monetização algo ‘vivo’.”

Patrocínio
O outro caminho apontado por Nelson é a busca por patrocinadores, assim como acontece na TV tradicional. Ele diz que, por se tratar de uma banda formada por três irmãos, que administram dois restaurantes, a questão da união familiar tem atraído patrocinadores interessados no perfil de consumidor que é fisgado por essas características. O objetivo, então, é expandir ainda mais a atuação na plataforma, receber outros músicos nos restaurantes para conversar, cozinhar – e até mesmo fazer um som, além de mudar a dinâmica de uma banda tão ligada às coisas do lar.

“Há algum tempo as viagens para shows eram um tipo de ‘inconveniente’ pra gente. Arthur tem dois filhos, minha primeira filha está a caminho e o Álvaro não vai demorar a ter o dele. Poder mostrar nossa música para milhares de pessoas sem precisar sair de casa é algo que nos encanta mesmo para o pós-pandemia. O primeiro especial teve mais de 20 mil visualizações, o que nos faz estimar que pelo menos 40 mil pessoas viram. Quantas vezes em toda a nossa carreira tocamos para um público desses?”, reflete.

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