Madney Bundish lança álbum com ‘angústia furiosa e melancolia serena’

‘A season in Hell’, segundo trabalho do cantor e compositor, está disponível nas plataformas de streaming


Por Júlio Black

09/07/2020 às 07h00

Rafael Ramos é professor de línguas estrangeiras, com licenciatura em inglês e francês, mestre em crítica literária e manifestações culturais; muita dessa experiência acadêmica é transportada/incorporada por seu alter ego musical, Madney Bundish, para com diversas experiências musicais, literárias e cinematográficas, entre outras, criar “A season in Hell”, seu segundo álbum, lançado em junho e disponível nas plataformas de streaming.

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O trabalho, sucessor de “In search of lost time” (2019), já era conhecido em parte desde o início do ano, com os lançamentos dos singles “Sweet like poison”, “Zombie” e “Like a rose”. Para o novo álbum, Madney gravou e produziu tudo em seu home estúdio, tocando todos os instrumentos (guitarra, violão “e um pouco de teclado”, como ele diz) e se aventurando por sintetizadores, bateria eletrônica, além de softwares incluídos a partir da influência do movimento PC Music. “Na verdade, influência mais na maneira como eu produzo e crio grande parte das músicas e de algumas camadas dos instrumentais, através da criação de trilha de midis e a inserção de sintetizadores virtuais nos softwares de criação de áudio”, explica.

Definitivamente, a influência da PC Music fica mesmo no modus operandi, como se pode perceber nas 12 faixas de “A season in Hell”, que recebem influências dos mais variados subgêneros do rock e pop dos anos 90 – uma diferença em relação às primeiras composições, que tinham ligação direta com bandas da década anterior, como The Cure, Siouxsie and The Banshees e The Smiths.

“Eu quis fazer algo que lembrasse algumas bandas dos anos 90. Certa noite, eu estava tentando criar uma melodia no violão e foi surgindo algo que, na minha cabeça, me lembrou Alanis Morissette… Daí que veio a ideia de fazer um álbum que trouxesse um pouco dessa vibe dos anos 90. Busquei inspiração no grunge, dream pop, rock eletrônico e em bandas como Garbage, Placebo, Silverchair e até The XX, que na verdade nem é dos anos 90″, diz Madney, que definiu o disco no texto de divulgação como “fruto de um período de experiências que oscilam entre uma angústia furiosa e uma melancolia serena.”

Madney Bundish aposta numa estética sombria (Foto: Cassio Tassi/Divulgação)

Rimbaud, Baudelaire, Pessoa, Crowley

E essa “angústia furiosa e melancolia serena” surge dos escritores que influenciaram Madney Bundish em seu segundo álbum, entre eles Arthur Rimbaud (autor francês do clássico “Uma temporada no inferno”, que dá nome ao álbum), Charles Baudelaire, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Aleister Crowley. Um “time” certamente bem diversificado.

“Quase todas as músicas que eu componho carregam muitas influências literárias. No álbum anterior, por exemplo, eu me inspirei muito em Proust para criar o conceito, e em Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Gregory Corso para criar algumas letras. Neste último álbum, eu quis criar uma espécie de dicotomia sonora e de temas a partir de autores que são muito caros a mim desde a minha adolescência”, explica. “Assim convivem essas influências literárias distantes nesse trabalho. Escolhi alguns poemas que tinham o tom do que eu queria expressar nas letras, ora algo mais doce, ora algo mais agressivo. O processo de composição e inspiração se deu de forma antropofágica. Eu devorei alguns textos desses autores que admiro, e os regurgitei em forma de canções e expressando os meus sentimentos em relação a algumas questões pessoais.”

Apesar das influências se originarem de países diversos, “A season in Hell” tem quase todas as letras em inglês. O cantor e compositor explica que esta não foi uma escolha consciente; segundo ele, as letras foram fluindo naturalmente neste idioma. “Acredito que por conta das minhas maiores inspirações mesmo. Pretendo lançar mais coisas em português e, inclusive, versões em português de músicas já lançadas anteriormente. Eu sou professor de línguas estrangeiras também, gosto de brincar com esse ‘hibridismo cultural/linguístico’. Gosto de misturar um pouco os gêneros musicais, idiomas…”

Lana Del Rey
Madney Bundish ainda lista outras influências além das já listadas por ele. “A estética do expressionismo alemão me inspira muito, caso do vídeo de ‘The vampire’; o visual dos anos 80 e 90, o aspecto mais lo-fi e os efeitos de vídeo dessas décadas, por exemplo, e outros artistas como Madonna, Marilyn Manson, Morrissey, Lana Del Rey. São muitas referências, muitas vezes bem discrepantes.”

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Por fim, uma pergunta a mais: como estão as composições em tempos de pandemia, isolamento e distanciamento social, em que os sentimentos de solidão, melancolia, angústia muitas vezes se tornam mais presentes? Madney destaca, primeiramente, que a pandemia não influenciou o que se ouve em “A season in Hell”, pois as composições são anteriores a esse período, mas que facilitou a dedicação para finalização do projeto, como a gravação dos vocais.

Para o futuro, porém, pode-se esperar algo ligado ao mundo que vivemos hoje. “Comecei a trabalhar em uma música com um amigo, Bira Silva, da banda Permaneço Deitada. Inspirados nesse contexto de isolamento social e incertezas, estávamos tentando criar algo que refletisse um pouco do efeito desse momento sobre nós. Pretendia lançá-la como parte do álbum, mas não tivemos tempo hábil para terminá-la ainda.”

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