Os irmãos Rebouças

“Em tempos de pandemia e protestos no mundo inteiro contra o racismo, por que não falarmos de dois brasileiros, negros, que enaltecem a nossa história?!”


Por Flávia Halfeld, jornalista, delegada aposentada, vice-chanceler do Círculo Monárquico de Juiz de Fora e membro da Academia Juizforana de Letras

02/07/2020 às 06h37

Em tempos de pandemia e protestos no mundo inteiro contra o racismo, por que não falarmos de dois brasileiros, negros, que enaltecem a nossa história?! Falo dos irmãos Rebouças, André e Antônio, que, entre outros feitos, dão nome ao túnel de 1.800 metros ligando os bairros da Lagoa e Rio Comprido, no Rio de Janeiro.

Filhos de uma família baiana, de poucos recursos, tinham no pai, também chamado Antônio, um homem de visão aberta, que exerceu o Direito na Bahia, sem ter feito o curso, só pelo prestígio que tinha à época, conforme esclarece Edson Monteiro, membro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Chegou a ser deputado e conselheiro do Imperador d. Pedro II.

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O Instituto Militar de Engenharia, com sede na Praia Vermelha, bairro da Urca, no Rio de Janeiro, fez um documentário, a cargo da jornalista Cíntia Neves e com produção de Maira Dias, narrando a vida e o trabalho dos dois irmãos, que estudaram no Colégio Militar e se formaram na Escola Politécnica da cidade, completando o estudo na escola militar, que deu origem ao IME, em 1859, saindo ambos engenheiros. São considerados os primeiros profissionais negros na área em questão.

De acordo com o geólogo Quintino Manoel do Carmo, “é fundamental para a consciência nacional, não só para a consciência negra, que as pessoas saibam que ambos foram pioneiros na defesa do território nacional, chegando André a exercer atividade dentro das Forças Armadas e inspeção em fortalezas brasileiras”.

André Rebouças serviu como engenheiro militar na Guerra do Paraguai, foi autor dos projetos dos portos do Maranhão, do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, além de ter desenvolvido outros com o irmão Antônio, que se responsabilizou pela construção da subida da Serra do Mar, no Paraná, e das Docas da Alfândega do Rio de Janeiro, sem falar que idealizou a Ferrovia Curitiba-Paranaguá, um dos marcos da engenharia nacional. Mas ele não chegou a concretizá-la, pois veio a morrer em 1874, aos 34 anos.

André sempre foi um incansável lutador das causas abolicionistas, ajudando na criação da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, ao lado de grandes nomes como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, e tendo intensa participação na campanha para acabar com a escravidão no país.

Para a diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (Ipeafro), Elisa Larkin Nascimento, André é uma imagem importante, de uma pessoa formada, de grande valor intelectual e competência no exercício de sua profissão, além de um símbolo junto à elite do século XIX que se bateu pela abolição da escravatura. “E isso é importante porque, tanto naquela época como hoje, reinavam os preconceitos, em que se dizia que os negros não seriam capazes de certos tipos de conhecimentos”, diz ela.

André Rebouças também foi sócio do Clube de Engenharia, fundador de sua biblioteca e primeiro responsável por ela, em 1884, astrônomo e poeta. Tinha um talento admirável, escrevendo sobre vários assuntos, não só sobre engenharia como também os de cunho social, político e navegação, e obras raras de sua autoria podem ser encontradas na Biblioteca Nacional. Tinha preocupação com o conforto do ser humano.

Sendo grande amigo da Família Imperial, exilou-se com ela na Europa, após o golpe da República. Foi correspondente do The Times, de Londres, em Portugal, mudou-se para a França, onde ficou até a morte de d. Pedro II, e depois para a África. Voltando para a Europa, passou a residir na Ilha da Madeira, em Funchal, onde veio a se suicidar, jogando-se de um penhasco, defronte ao hotel em que vivia, abatido por profundos desgostos, inclusive, financeiros.

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Nossa homenagem a esses dois grandes brasileiros!

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