Marco do Centenário, em Juiz de Fora, é incendiado

Funalfa avalia perdas são de grandes proporções ao patrimônio nacional. No mesmo dia, cidade ganha fundo para proteção do patrimônio


Por Mauro Morais

01/07/2020 às 19h24

Patrimônio nacional, Marco do Centenário teve pastilhas do painel modernista de Di Cavalcanti derretidas pelas chamas (Foto: Fernando Priamo)

Um pequeno incêndio na madrugada desta quarta-feira, 7, derreteu as pastilhas que formam o desenho do mosaico assinado por Di Cavalcanti, no Marco do Centenário, monumento localizado na Praça da República, no Bairro Poço Rico, diante do Cemitério Municipal. De acordo com a assessora da direção geral da Funalfa, Flávia Iasbeck, no início da manhã um antigo funcionário da Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) viu o ocorrido e alertou o setor, que horas depois visitou o local para verificar os danos. Provavelmente, pessoas em situação de rua que já ocupavam o espaço há algum tempo acenderam uma fogueira para se esquentar durante o período noturno de baixas temperaturas, e as chamas acabaram atingindo o bem tombado pelo município e pelo governo federal.

“Verificamos que o painel foi muito danificado. Muito embora seja possível reconstruir, uma boa parte da estrutura foi perdida e agora, teremos um trabalho muito grande para restaurá-lo. Esperamos que exista a possibilidade de fazer a restauração e estudamos a possibilidade de isolar o local para evitar que outros ataques como esse aconteçam”, pontua Flávia, acrescentando presumir não ter sido um evento proposital. “Felizmente temos registros fotográficos anteriores, de quando o bem estava íntegro e poderemos restaurar deixando o mais fiel possível em relação às características originais.” Após fazer um boletim de ocorrência relatando o ocorrido, a Funalfa garantiu mobilizar outras pastas municipais, afim de manter a preservação do que restou do monumento, solicitando a atuação da equipe de abordagem social para atender as pessoas em situação de rua que vivem no lugar.

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Impasse se arrasta há anos

Tanto a Câmara Municipal, quanto o Ministério Público e o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional já cobraram do município a adoção de medidas efetivas para a preservação do Marco do Centenário, que sofre com a deterioração de sua estrutura e de seu entorno há anos. Em Ação Civil Pública de 2014, o Ministério Público solicitava um projeto de requalificação de toda a Praça da República, além da recuperação do Marco do Centenário. Meses depois, no mesmo ano, a fundação divulgou a elaboração de um projeto de restauração, assinado pela empresa especializada Arquitetônica Construções Ltda, vencedora da licitação que previa 90 dias para a conclusão da proposta que não saiu do papel.

“O Poder Público sofre muito com a ausência de recursos específicos para investir em proteção e preservação do patrimônio histórico e cultural. É um cobertor curto. O dinheiro público é muito pouco para as demandas que precisamos atender e sempre tem questões prioritárias. Agora, no meio de uma pandemia, vemos todo e qualquer centavo sendo direcionado para a saúde e para os atendimentos sanitários. Até hoje não tivemos condições de providenciar o restauro que este monumento merecia”, reconhece Flávia Iascbeck, certa da urgência da situação.
Primeiro mosaico modernista instalado em uma praça pública no país, o Marco do Centenário tem projeto do engenheiro-arquiteto Arthur Arcuri e foi erguido em 1951. Em 1996, um decreto municipal instituiu seu tombamento, reconhecendo seu valor e destacando que, durante a fase de concepção do projeto, Arcuri contou com as participações do arquiteto Lúcio Costa que sugeriu “a ligeira curvatura no final da parede ascendente” e, do arquiteto Oscar Niemeyer na indicação de Di Cavalcanti para o desenho do mosaico. Em 2001, foi a vez de a União, representada pelo Iphan, garantir a proteção do monumento. Em Juiz de Fora, outros dois bens receberam proteção federal: o Cine-Theatro Central e as coleções do Museu Mariano Procópio.

Cena reúne roupas e calçados queimados. (Foto: Fernando Priamo)

Fundo pode garantir outro futuro para o patrimônio local

Ironicamente, enquanto um dos mais importantes patrimônios da cidade ruía consumido pelo fogo, era instituído o Fundo Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural de Juiz de Fora, o Fumpac, cujo projeto de lei foi apresentado pelo vereador Juraci Scheffer (PT). Constituído por recursos provenientes de repasses municipais, contribuições privadas, multas por irregularidades contra o patrimônio e parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Patrimônio Cultural, o fundo visa a promover e conservar o patrimônio local, seja garantindo verba para projetos de restauração, seja capacitando profissionais, dentre outras ações de aperfeiçoamento do setor. Responsável por gerir os recursos, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) também terá possíveis despesas custeadas pelo fundo, bem como terá a competência para aprovar projetos de editais da área.

“Durante minha atuação no Concult e no Comppac, sempre defendi que o mais urgente para Juiz de Fora era a sanção da lei de criação do Fumpac e a regulamentação da Lei de transferência de potencial construtivo, entendendo que são dois mecanismos suplementares a proteção conferida pelos tombamentos e registros. Ambos os instrumentos são voltados a mitigar a necessidade de investimentos necessária para a conservação de nosso patrimônio, e atuam como complemento à lei que define a proteção de bens culturais. A Consolidação do Fundo Municipal de Patrimônio é uma grande conquista. Nesse momento caberá ao município aportar recursos ao fundo, compreendendo que quanto maior o investimento em patrimônio, maiores serão as possibilidades de o município ser compensado financeiramente por isso”, celebra o historiador Fabrício Fernandes, representante do patrimônio no Conselho Municipal de Cultural, que por sua vez ele também representa no Comppac.

Segundo Fernandes, especialista em patrimônio cultural, a expectativa é de que a Prefeitura faço os repasses do ICMS ao fundo, o que por lei não é obrigatório. “Com dados de 2017, atualmente 665 municípios mineiros contam com Fundo Municipal de Patrimônio Cultural e utilizam do instrumento para o fortalecimento do setor. Sua relevância se dá pelo fato de instrumentalizar a possibilidade de investimentos no patrimônio cultural local, seja ele tombado, registrado, ou reconhecido através de inventários culturais”, pontua sobre o que considera ser a conquista de uma luta de mais de uma década. “O ICMS Patrimônio Cultural, desenvolvido anualmente pela DIPAC para atender a lei estadual 18.030 de 2009 tem uma relação direta com o fundo devidamente em funcionamento, uma vez que os investimentos em bens protegidos pelo município, são pontuados nesse trabalho, e retornam ao município como recursos para o segmento.”

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