O Vietnã de Spike Lee, artistas pela Austrália e alguns quadrinhos

Por Júlio Black

24/06/2020 às 07h00 - Atualizada 22/06/2020 às 15h23

Oi, gente. Tudo bem?

Pergunta difícil de responder, tô certo ou tô errado? Da nossa parte, fazemos o que pudemos; por sorte temos Antônio, O Primeiro de Seu Nome, que completa quatro invernos justamente nesta quarta-feira. Sobrevivemos ao chamado “terríveis três anos”, com eventuais estresses, algum cansaço, tendo que responder a milhares de perguntas, contornar outras tantas, mas também nos emocionando com algumas frases e rindo aos montes com algumas perguntas, respostas, tiradas ou raciocínios que apenas uma criança que está a conhecer e entender o mundo – ainda mais sem poder ir à rua – aos poucos.

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Apesar deste que vos escreve e A Leitora Mais Crítica da Coluna termos tanto a fazer, ainda conseguimos um tempo para o lazer (sei que vivo comentando isso, mas preciso dividir com meus 14 leitores a vitória que é tirar o mofo do teto do banheiro e ainda conseguir terminar um livro da Elena Ferrante – aliás, que raiva da protagonista no terceiro livro), geralmente depois das dez da noite e aí tome “The Office”.

Demorou mais de um mês, creio eu, para conseguir enfim assistir a um novo filme. E que filme, amiguinhos: “Destacamento Blood”, o longa do Spike Lee para a Netflix, é um filmaço. Sabemos que o cineasta é mestre em usar seus longas para criticar as desigualdades sociais, o preconceito contra os afro-americanos, atochar o dedo nas feridas da sociedade, resgatar figuras históricas e fazer política por meio da arte. Com “Da 5 Bloods” (título em inglês) não foi diferente.

Spike Lee pega um grupo de veteranos da Guerra do Vietnã, todos negros, que retornam ao país asiático quase 50 anos depois com dois planos na cachola: recuperar os restos mortais do comandante do seu destacamento (Chadwick Boseman) e levar na moita, para os Estados Unidos, milhões de dólares em ouro que eles esconderam durante a missão em que o comandante morreu.

“Destacamento Blood” é mais que a missão dupla de resgate. Os protagonistas enfrentam os fantasmas do passado, um país que ainda os encara como inimigos/invasores, as diferenças que surgem com o distanciamento de décadas, o peso da idade, segredos, a ganância, o fardo de lembrarem que eles eram, na verdade, dispensáveis – num momento do filme, é destacado que os negros eram 11% da população na época da guerra, e cerca de um terço dos militares em solo vietnamita.

Como comentei semana passada no podcast “Almanacast”, a convite do Rodrigo de Oliveira, se o Oscar fosse hoje “Destacamento Blood” seria o favorito disparado.

Também ouvimos música, claro. Além do ótimo “Décollage ao vivo”, da Alles Club, que rendeu matéria quarta-feira passada, chegou até meus ouvidos a coletânea beneficente “Songs for Australia”, que o Pedro Serra, da Estranhos Românticos, recomendou nas redes sociais. É muito bom conhecer gente que sabe fazer recomendações certeiras.

O projeto é ideia da cantora e compositora Julia Stone, e o objetivo é arrecadar fundos com a venda em CD e vinil para ajudar na recuperação da fauna e flora australiana, devastadas com aquele pavoroso período de incêndio meses atrás que matou mais de um milhão de animais do país. Vários artistas toparam participar, reinterpretando canções de cantores e grupos australianos.

Quem puder contribuir com a compra dos discos não vai apenas ajudar a recuperar o meio ambiente do pais, mas também terá a oportunidade de ouvir ótimas versões de músicas do INXS, Midnight Oil, Nick Cave e Men at Work, entre outros, cortesia de nomes como The National, a própria Julia Stone, Kurt Vile, Martha Wainwright e Dan Sultan.

Não sei se o álbum beneficente vai chegar ao Brasil, mas dá para ouvir nos serviços de streaming e curtir.

Também lemos alguns quadrinhos nos últimos dias, entre eles o sexto encadernado de “Projeto Manhattan” (Image Comics), uma das HQs mais legais lançadas nesta década. Jonathan Hickman (roteiro) e Nick Pitarra (desenhos) pegaram alguns dos cientistas mais famosos e importantes do início do século passado (Albert Einstein, Robert Oppenheimer, Enrico Fermi, Wernher Von Braun), mais alguns militares (Leslie Groves) e políticos (Franklin Roosevelt, Lyndon Jhonson, Harry Truman, John Kennedy), e transformaram toda essa gente num bando de pessoas desprovidas de ética, empatia, alguns até viraram sociopatas.

A verdade é que todos eles são uns grandessíssimos FDPs na história, com objetivos simples e diretos: saber até onde a ciência poderia chegar, desvendar todos os seus mistérios e usá-los para benefício próprio; nem era preciso ganhar dinheiro ou conquistar o mundo, o lance ali era ultrapassar os limites doesse a quem doesse. (Tá, os políticos curtiam o lance do poder, mas eram quase coadjuvantes na história.)

O sexto encadernado é o mais diferente de todos, pois tem um jeitão de aventura espacial sci-fi e é protagonizada pelo cosmonauta Yuri Gagarin. Depois de muito vagar pelo espaço, ele tem sucesso em encontrar a cadela Laika, que teve a inteligência desenvolvida de forma artificial e não está muito feliz por reencontrar o herói soviético. O encontro se dá graças a um alienígena que planeja se vingar da raça que escravizou sua espécie por 16 mil anos, e então temos uma história com tiros, fugas, traições, reviravoltas e algumas mortes desagradáveis.

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Os seis volumes da série foram lançados entre 2012 e 2015, então acreditamos que “Projeto Manhattan” encerrou sua jornada, infelizmente. Quem procurar os encadernados, lançados no Brasil pela Devir, não vai se arrepender.

A outra HQ foi “Devolution” (“Involução”, em português), lançada em 2016 pela Dynamite Entertainment. A história de Rick Remender (roteiro) e Jonathan Wayshak (arte) pode parecer, no início, mistura de um monte de coisa que já lemos ou assistimos, como “The Walking Dead”, “Guerra Mundial Z” ou “Planeta dos Macacos”, afinal temos um apocalipse causado por cientistas que dizimou praticamente toda a humanidade, meia dúzia de sobreviventes, senhores da guerra, gente vagando por aí e uma tentativa de encontrar um antídoto.

A diferença é que não temos zumbis ou macacos inteligentes, e sim neandertais. Acreditando (com alguma razão) que a religião é a causadora da maioria das guerras e genocídios, cientistas resolvem criar um agente viral que afetaria a área do cérebro que produz a crença em divindades. O problema é que o agente viral se espalhou pelo cérebro e começou a retroceder a escala evolutiva: quem não virou neandertal foi morto pelos brucutus, e o vírus se espalhou entre animais, flora… O planeta regrediu milhões de anos em evolução.

Uma das poucas sobreviventes é a filha de um dos cientistas, que tenta chegar até o local da experiência para encontrar o antídoto, espalhá-lo por aí e reverter a involução. Só que no meio do caminho ela vai encontrar um dos últimos focos de seres humanos “normais”, comandado por um nazista de quase dois metros de altura que está muito satisfeito em mandar no seu pedaço e ter suas escravas sexuais.

Como é de se esperar em histórias de pós-apocalipse, “Devolution” tem vários clichês do gênero e mais um monte de cenas violentas, sangue jorrando, cabeças cortadas e gente morrendo no meio do caminho. Nada original, na verdade, mas a minissérie tem apenas cinco capítulos e é leitura rápida e fácil. Mas é preciso comprar na gringa, pois não saiu no Brasil.

Além das dicas, continuamos a recomendar nossa playlist “…E obrigado pelos peixes”, com mais de 1.800 músicas e 124 horas de pura diversão. Está lá no Spotify, e temporariamente no Deezer também.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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