Sobrevivendo e resistindo no campo das (im)possibilidades

Fechados há quase cem dias, casas de shows e espaços ligados à música lidam com o drama da queda de faturamento e lutam para resistirem até o ‘novo normal’


Por Júlio Black

19/06/2020 às 07h00

São mais de três meses em que termos como pandemia de coronavírus, Covid-19, isolamento ou distanciamento social tomaram conta dos parágrafos iniciais de matérias na Tribuna. No caso da cultura, estão associados a lives, projetos virtuais, lançamentos de álbuns, singles e videoclipes, e também quanto à incerteza em relação ao futuro _ afinal, ninguém tem certeza ainda de quanto tempo enfrentaremos os desafios e transtornos provocados pela pandemia.

É a mesma incerteza que vivem as casas noturnas, boates e outros espaços ligados à música em Juiz de Fora, fechados há quase cem dias, desde que o prefeito Antônio Almas publicou o decreto que cancelava eventos públicos e privados. Além da óbvia falta de opções de lazer, o fechamento dos espaços significa, na maioria dos casos, uma queda brutal ou total de faturamento.

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A Tribuna procurou esta semana três responsáveis por espaços de shows: Luqui Di Falco, do Cultural; Luan de Carvalho Rocha, da Arteria; e Guilherme Imbroisi Rocha, do Uthopia. Cada um com suas particularidades em relação aos desafios a serem enfrentados, mas que têm uma coisa em comum: a luta por não deixar a cultura perder seus espaços.

Cultural Bar, cujo negócio principal são os shows de artistas locais e nacionais, está fechado há três meses e sem previsão de volta (Foto: Divulgação)

Atividades quase totalmente paralisadas

Luan de Carvalho, um dos proprietários da Arteria, conta que todo o segmento de eventos – principal foco dos negócios – está fechado desde meados de março, assim como as atividades estudantis para crianças até cinco anos. A alternativa foi oferecer o serviço de delivery para almoço e jantar. “O foco no delivery é para tentar se manter em atividade, pois não abrimos para clientes a fim de incentivar o isolamento social e proteger nossos funcionários”, diz.

Mesmo assim, ele afirma que o impacto financeiro tem sido imenso. “Tivemos uma queda total no faturamento no início, e hoje ela está em torno de 80% a 85%. Não demitimos, mas interrompemos a contratação de quem estava em experiência e precisamos suspender temporariamente o contrato de trabalho de alguns, como o pessoal do atendimento, os professores, que estão voltando com a redução de jornada. Mas mantivemos a maioria do pessoal da cozinha para o delivery, sem redução de jornada. Além disso, a Escola Arteria está criando formas de os professores se comunicarem virtualmente com os alunos, mas a interação on-line é mais difícil, porque atendemos a crianças de até cinco anos.”

Fechar as portas é algo que Luan não cogita. “Não queremos deixar que isso aconteça, por isso estamos nos esforçando ao máximo para nos manter abertos, é uma luta contínua a cada mês. Seria muito bom se o Governo ajudasse as pequenas empresas e espaços culturais, ainda mais que o setor de eventos deve ser o último a retornar”, critica. Sobre o retorno, seja lá quando for, o produtor cultural se mostra otimista: “Acho que darão maior valor à arte em geral, apesar de acreditar que as opções serão menores. Qualquer fechamento é muito ruim, mas quem puder se manter terá uma perspectiva boa. A questão é chegar até lá.”

‘Desastroso e muito triste’

Uma das mais tradicionais casas de shows em atividade em Juiz de Fora, o Cultural Bar tem vivido dias muito diferentes nestes últimos três meses. Ao invés do público lotando o espaço, o produtor – e um dos proprietários – Luqui Di Falco conta que a casa tem produzido e oferecido entretenimento on-line através de eventos virtuais como lives, campanhas filantrópicas, bate-papos e outras atividades. Assim como outras casas noturnas e bares, eles também têm vendido antecipadamente tíquetes a ser usados nas noites num futuro próximo para clientes assíduos.

“Porém, de modo geral, muito pouco pôde ser feito nesses 90 dias, a não ser respeitar a quarentena imposta principalmente ao nosso setor. As casas noturnas estão trabalhando de forma muito resiliente para manter o funcionamento”, diz Luqui, afirmando que o Cultural sofreu um impacto financeiro “desastroso e muito triste”. “O quadro de funcionários foi praticamente extinto. Não tem como manter sem previsão de volta”, lamenta.

Uma das possibilidades para o futuro próximo é o funcionamento com restrições, como a redução na capacidade de público. Na visão de Luqui Di Falco, isso implicaria na adequação dos espaços. “Seja qual for a restrição, o pensamento está em adequar e oferecer para os clientes um serviço seguro”, pontua o produtor cultural, que acredita numa aproximação maior de pessoas interessada nos produtos locais. “O local vai ganhar notoriedade com a redução de viagens em um primeiro momento. E tem muita gente ótima por aqui, então apostamos numa retomada animada e dentro dos padrões do novo normal, porém, com o máximo de sucesso que caiba. Quem sabe a paixão pelos artistas e estabelecimentos locais não ganhe uma notoriedade extra pós tempos tão difíceis?”

Atividades virtuais

O caos e a incerteza provocados pela pandemia fez com que pelo menos um espaço na cidade optasse por fechar as portas em caráter “temporariamente definitivo”. Foi o caso do Uthopia, no São Pedro: segundo um dos proprietários do espaço, Guilherme Imbroisi, eles decidiram entregar o imóvel onde ficava o espaço cultural e retomar as atividades presenciais em outro local, quando a situação estiver normalizada.

“Buscamos informações sobre a pandemia e vimos que ia demorar muito para essa situação passar, que nosso tipo de evento dificilmente voltaria antes do fim do ano. Resolvemos então fechar o espaço, até porque estávamos pensando em nos mudar para um maior, já estava com o contrato quase fechado, mas resolvemos esperar até o final da Covid-19”, explica.

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Entregar o imóvel no São Pedro, porém, não significa que o Uthopia está como aquele centroavante paradão na grande área. Guilherme conta que estão realizando várias atividades no espaço original do Uthopia, no Bairro Nova Califórnia, em especial as virtuais. Foi através da página do Uthopia no Instagram (@uthopiaumbomlugar) que cinco bandas se apresentaram com arrecadação para os artistas – de acordo com Guilherme, uma delas chegou a arrecadar R$ 500.

“Voltamos no intuito de ter um quartel-general de encontros, de trocas. As articulações continuam, pois esta é uma boa hora para fazer gravações, lives. É até uma loucura não parar, porque estamos colocando dinheiro em algo que não nos dá um centavo de retorno”, afirma Guilherme Imbroisi, acrescentando que deram uma pausa nas lives de música para iniciar outro projeto, o “Cultura de roda”, e que em breve também devem transmitir pelo YouTube. “Acontece todas as terças, às 20h, e já realizamos dois programas, com a Laura Jannuzzi e a Adryana Ryal. Reunimos pessoas da classe artística em geral para discutir o cenário no momento da Covid-19 e o que podemos fazer durante esse tempo. O objetivo é fazer um apanhado geral com todo o meio de produção cultural para pensar ações, unir a classe, compartilhar experiências. Também estamos gravando uma série de cinco programas focados na criação interdomiciliar.”

Para Guilherme, a tendência é de retorno será com eventos de pequeno porte, aos poucos, mais lentamente do que muitos imaginam. “Mas esses eventos de pequeno porte não são o nosso nicho, fazer show para 50 pessoas não cobriria os custos. Vai demorar muito para termos eventos de grande porte, talvez em locais abertos inicialmente, dificilmente em espaços fechados”, especula. “O que pensamos é que será preciso encontrar novas formas de encontrar essas pessoas, talvez tenhamos um novo público, novos nichos.”

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